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CONHECER PARA ORIENTAR: O QUE SÃO E QUAIS SÃO AS DROGAS PSICOTRÓPICAS



Introdução

O livreto do CEBRID, que todos receberam, tem informações precisas sobre os três níveis das drogas psicotrópicas: as que são depressoras da atividade do SNC, as Estimulantes da atividade do SNC, e as Perturbadoras da atividade do SNC. Portanto, convido todos os participantes a examinar este material.

O que leva as pessoas, em especial adolescentes e jovens, a ter contato com as drogas? Encontrei na internet um artigo do jornal “A Tribuna de Santos”, com um título bem sugestivo: “Amigos da Onça”. Comenta uma pesquisa feita do Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos), feita pelo Dipe (Divisão de Prevenção e Educação), com duas mil pessoas consumidoras de drogas.

Uma das conclusões é que “Pouco mais da metade — 56% dos entrevistados — afirmam que o vício começou com a colaboração de amigos e parentes. Somente 20% admitem que a primeira droga foi fornecida por desconhecidos. Quem buscou o entorpecente por conta própria representa o percentual de 16%. Aliás, a primeira quase sempre é de graça.” (http://www.suacara.com/drogas_2.htm).

A curiosidade e a influência dos “amigos” são os dois principais fatores que levam o adolescente ao primeiro contato com as drogas. Mas ninguém fica viciado a partir de um primeiro contato com a droga – o vício só se estabelece com a partir de um certo tempo de consumo e vai depender do tipo de droga consumida e do organismo de cada pessoa. Penso que se há um convite para a droga o vício se estabelece porque a pessoa decide. Até porque num primeiro momento a droga não é vista como uma droga, no sentido comum da palavra.

Por que as pessoas se tornam viciadas em droga? Dentre vários motivos, cada caso é um caso, quero destacar a incapacidade que alguns têm em lidar com suas frustrações, com o vazio existencial constitutivo da vida. Chico Buarque escreveu um poema que aborda essa faceta da vida. Diz:

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheia de um ar vazio
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar

É sempre bom lembrar
Guardar de cor
Que o ar vazio de um rosto sombrio
Está cheio de dor

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor
Que a dor ocupa metade da verdade
A verdadeira verdade interior

Uma metade cheia, uma verdade vazia
Uma metade tristeza, uma metade alegria
A magia da verdade inteira
Todo poderoso amor
É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

A droga se apresenta como algo que pode preencher o vazio característico da vida. Os dependentes químicos falam do efeito da droga como uma “viagem”. Na década de setenta falavam de um “barato”. Ambas as palavras nos remetem a uma ação de fuga, onde o encontro com a morte se dá na estação cujo nome é overdose.

Livrar-se da dor, do sofrimento, da angústia como forma de encontrar a alegria, a felicidade, a plena satisfação, é o que o homem tem buscado desde que tempo é tempo. É sabido que em civilizações antigas como a Índia, a Pérsia e o Egito o ópio era usado para acalmar a dor, para provocar euforia nas orgias ou êxtase ou alucinações nos rituais religiosos.

Dentre os muitos motivos para o aumento do consumo de drogas hoje destaco o que chamo de “A Tirania da Felicidade”. Hoje em dia não se aceita nada mais e nada menos do que a plena felicidade. Logicamente que dentro desse contexto a droga, lícita ou ilícita, aparece como uma boa resposta a demanda de felicidade. Melman diz: “O que hoje nos é oferecido é experimentar gozos diversos, explorar todas as situações. É esse o verdadeiro liberalismo, o liberalismo psíquico! No mercado, nos é proposto, como se isso fosse comum, participar de existências múltiplas” . Haja droga!

I – O Pharmakon das Drogas
Pharmakon é a palavra grega que se refere ao estudo das substâncias que interagem com o corpo a partir de reações químicas. Para os gregos Pharmakon poderia tanto ser um remédio como um veneno.
Melman comenta sobre o Pharmakon dizendo que:

“O que era pensado, com pharmakon, era sempre um objeto – ou vários – suscetível de curar doença, objeto que, ao mesmo tempo, é uma poção. Em outras palavras, o objeto suscetível de curar nossa insatisfação – insatisfação tanto diante do mundo quanto de si mesmo – é também uma poção. Basta se lembrar desse conceito para se interrogar sobre o lugar da droga: medicamento absoluto que cura todos os males – o ópio ou a morfina são remédios que grandes culturas utilizaram – e que também nos dispensa da existência. Drogar-se é experimentar uma espécie de morte. Ou, melhor, os drogados são mortos vivos, ou vivos mortos.”

Pharmakon, portanto, abrange tanto ao uso das drogas ilícitas, como das licitas. As drogas lícitas têm sido usadas de forma indiscriminada, mesmo com a proibição da lei no que diz respeito a comprar medicamentos psicotrópicos sem a receita médica. Em alguns casos é o próprio paciente que pede ao médico para receitar determinada droga, muito comum no caso dos ansiolíticos.

O que temos observado hoje é um crescimento assustador da indústria farmacêutica, em especial na área dos psicotrópicos. O Prozac, cuja composição básica é fluoxetina, foi lançado pela indústria farmacêutica americana como sendo o remédio que curaria todo e qualquer tipo de depressão. A verdadeira pílula da felicidade. Desde que foi introduzida nos EUA para o tratamento de depressões e outros transtornos de humor, “... a fluoxetina tornou-se o antidepressivo mais amplamente prescrito nos Estados Unidos.”

Onde a igreja entra nessa história toda? Escrevi a tempos atrás um artigo para o boletim da igreja cujo tema foi: “Igreja, Farmácia e Botequim”. Parti da observação de que em praticamente todas as ruas encontramos igrejas, farmácias e botequins. A igreja propõe o remédio para alma. O botequim oferece o remédio para as paixões. A farmácia oferece o remédio para o corpo. O que elas têm em comum? A oferta à demanda de felicidade.

O que a igreja evangélica tem feito hoje, com algumas raras exceções, é apresentar a fé como um substituto das drogas, um pharmakon, uma poção mágica, um feitiço. Com isso além de banalizar a fé bíblica a igreja está, como se diz no popular, trocando seis por meia dúzia. Não será esta uma das razões da grande reincidência do retorno à droga, daqueles que diziam terem se libertado dela?

A fé em Deus não pode ser oferecida ao drogado como algo que substitui a droga. A fé não é uma droga! A fé em Deus tem que ser apresentada como um recurso para além da droga, ou seja, como um recurso espiritual que nos ajuda a enfrentar as dificuldades impostas e inerentes à vida, com a convicção de que as superaremos.

A fé em Deus oferece esperança para desesperançado, ânimo para desanimado, coragem para o medroso, força para o que está enfraquecido, vida plena e abundante para o desmotivado e abatido. Jesus disse: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo.” (João 16: 33). Ter bom ânimo é ter fé que as tribulações da vida serão vencidas e superadas pelo enfrentamento e não pela fuga ou pela negação.

No cuidado com o dependente químico não podemos oferecer algo que nem nós mesmos temos: a isenção do sofrimento, da dor, o preenchimento do vazio. Em procedendo assim, a frustração, a queda, a reincidência, pode vir a ser a conseqüência inesperada frente uma promessa insustentável de espiritualidade, que não implique o drogado com o que o coloca na condição de drogado. O que a igreja pode fazer? Entendo que a igreja precisa acolher o dependente químico a partir de uma perscpectiva terapêutica e transformadora. Mendes diz que:

“Jesus não se reuniu com os sãos, com os ‘santarrões’, com aqueles de ‘saúde repulsiva’, que se colocam como sadios, que não admitem a possibilidade do fracasso, da enfermidade. Jesus se reúne com aqueles que admitem a morte, com os enfermos física, emocional, espiritual e moralmente, mas que aceitam o toque restaurador da vida do próprio Jesus.”

Sendo assim é preciso que entendamos que:

“Hoje o Senhor Jesus também nos reúne como igreja para sermos vitrines, testemunhos e testemunhas do milagre de termos sido transformados, curados, restaurados, recuperados, vivificados.
Num mundo em crise, marcado pelas doenças morais, emocionais, físicas, sociais e espirituais, Jesus nos reúne para sermos ‘igreja’, sinal da sua ação amorosa e terapêutica! Cristo nos convida para sermos o ‘ninho’ que aquece, restaura e cura as vidas enfraquecidas que se aproximam de nós.”

A partir desta perspectiva a pergunta que agora se estabelece de forma bem prática é: como a igreja pode se tornar uma agência terapêutica, promotora da saúde, da cura, no cuidado com todos, mas em especial com o dependente químico.

II – Algumas sugestões práticas para o cuidado com o dependente químico.
Antes de apresentar algumas considerações nesse sentido quero destacar que prevenir ainda é o melhor remédio. Se a curiosidade é o maior fator que leva um adolescente a ter contato com a droga, então é preciso desmistificar esse tema promovendo encontros, que devem ser abertos a comunidade, para falar sobre as drogas e os seus efeitos maléficos na vida.
Apresento agora algumas orientações sobre o trabalho da igreja com dependentes químicos.

2.1 – Busque parcerias:
A igreja não deve colocar-se na posição de Toda Poderosa, que pode sozinha dar conta de todas as demandas. A igreja não pode ser uma agência de empregos, um hospital, um berçário, um asilo, uma casa de recuperação para drogados ao mesmo tempo. Ela até pode desenvolver algumas dessas ações, mas para as outras precisará buscar parcerias com profissionais especializados e com instituições que atuem, por exemplo, no tratamento de recuperação de drogados.

2.2– Acolhendo as demandas:
A parábola do Bom Samaritano exemplifica o estado de muitas igrejas hoje, cujos líderes não têm tempo para escutar a queixa do outro. Temos feito da oração um grande talismã, e com isso para todo e qualquer problema a resposta tem sido: eu vou orar por você. Mas existem momentos em que é preciso agir orando e orar agindo.
Através da escuta podemos identificar possíveis causas que levaram a pessoa a se tornar um dependente químico. Collins apresenta algumas considerações nesse sentido:

2.2.1 – Personalidade, Hereditariedade e Fisiologia.
Por exemplo: pessoas que são extremamente ansiosas.
2.2.2 – A pressão familiar.
A família é o mundo mais significativo na vida de uma pessoa. O que acontece nesse ambiente afeta todos os componentes do sistema familiar.
2.2.3 – Pressão Atual.
Influências de amigos. Más companhias.
2.2.4 – Influência espiritual.
Não se pode desconsiderar esse fator. A vida espiritual tem o poder de resignificar a vida, levando a pessoa a lidar com o seu vazio existencial sem a necessidade de querer preenchê-lo com a droga.

2.3 – Busque o envolvimento da família:
É muito importante que a família participe ativamente do processo de recuperação. Até porque, uma possível internação numa casa de recuperação envolverá custos, autorização e visitas regulares.

2.4 – Realize bom trabalho de discipulado:
É preciso que o pastor ou alguém por ele designado acompanhe todo o processo de recuperação do dependente químico, com um bom trabalho de discipulado. Quanto mais o dependente químico conhecer da Bíblia e for ambientado na oração, maior condição ele terá para enfrentar as decepções, desilusões, problemas da vida, sem ter que recorrer ao uso das drogas.

2.5 – Admita a possibilidade de uma recaída:
Libertar-se do vício não é uma tarefa fácil. O lema do AA e do NA é de uma cura que se constrói, que se busca, mas que nunca acontece. Um pequeno deslize pode produzir uma recaída que é frustrante para o dependente químico e para aqueles que estão ajudando. É preciso exercitar o dom da misericórdia.

Conclusão
Duas razões bíblicas, dentre muitas outras que poderia citar, para que a igreja dê mais atenção à pregação do Evangelho do Reino, ou seja, ao evangelho que contemple a pessoa como um todo, sem dividi-la em corpo, alma e espírito; ou, corpo e alma.
Jesus em certa ocasião foi repreendido pelos fariseus por estar comendo e bebendo com os publicanos e pecadores. A resposta dada foi, como se diz no popular, na cabeça do prego: “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores.” (Mt. 2: 17)
Deus sempre escolheu os fracos, os desprezados, os ignorantes e tímidos, para confundir os fortes, sábios e poderosos deste mundo (I Cor. 1: 27,29)


Pr. Ailton Gonçalves Desidério

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