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A DOR DA ALMA



Não pretendemos aqui discutir o controverso conceito de cura. O nosso objetivo é o de falar sobre a dor. Mas o que vem ser a dor? Sabemos que existem dores e dores. Uma é a dor objetiva, do tipo: dor de dente, dor de cabeça, dor de ouvido, dor no estômago, dor no peito, etc. Outra é a dor subjetiva, do tipo: dor da separação, dor da decepção, dor da traição, dor da desilusão, etc. Podemos dizer que a depressão, a melancolia, a angústia, o medo, são alguns dos sintomas que surgem em decorrência da dor subjetiva.
Escrevi a tempos atrás um artigo com o seguinte título: “A dor do crescimento”; onde fiz referência a queixa de algumas crianças que dizem sentir dor nas pernas. É a dor do crescimento. O fato é que crescer dói.
Invariavelmente as grandes lições da vida são aprendidas pelos impasses que enfrentamos na vida, ou seja, pela dor que não procuramos, muito pelo contrário, que tentamos evitar, mas que insiste em aparecer nos momentos mais inapropriados. Dor é assim mesmo: só surge na hora errada.
Sem dor não há crescimento. O nascimento, por exemplo. Visto com grande expectativa pelos pais, parentes e amigos é um momento de dor e sofrimento para o recém nascido, pois ele é obrigado a deixar o útero materno, enquanto um lugar macio e aconchegante, com temperatura controlada, com comida a tempo e a hora, para viver num novo e inóspito ambiente. Viver é bom, mas para viver é preciso pagar um preço. Uma das maneiras de compreender o fenômeno do suicídio, por exemplo, é como uma incapacidade psíquica de pagar o preço de existir.
No texto “Projeto Para Uma Psicologia Científica” (1950[1895]), Freud aborda a questão da dor dizendo que o aparelho psíquico é constituído como forma de evitar a dor, que se caracteriza por um aumento de tensão, cuja única saída é a descarga desta tensão. O que é visto como satisfação.
No texto “Para além do Princípio do Prazer” (1920[1919]), texto de virada na construção da teoria psicanalítica, Freud inicia dizendo não ter dúvida de que o aparelho psíquico é regido pelo princípio de prazer. Mas só que este esbarra e se vê limitado por um outro princípio que impede algumas satisfações do psiquismo, que é o princípio de realidade.
Imagina se todos os desejos do psiquismo fossem satisfeitos? Seria um sofrimento só. Mas parece que esta é a subjetividade que impera na sociedade desde movimento hippie na década de sessenta, bem representada pelo slogan: “é proibido proibir”; e que hoje se faz representar por outro que diz: “libera geral!”
Se estivesse vivo Freud ficaria muito ouriçado com o paralelo que traço entre a sua teoria e a narrativa bíblica. Como não está penso que ouriçados ficarão alguns dos seus fiéis seguidores. O paralelo é o seguinte: se no aparelho psíquico há um mecanismo de defesa em relação a dor é porque Deus não criou o homem para sofrer e nem para sentir dor, sendo esta, a dor, uma conseqüência direta do pecado, e é por isso que hoje temos que lidar e superar as nossas dores.
Existem muitas formas de se lidar com a dor. Escrevi um artigo cujo título foi: “Igreja, Farmácia e Botequim”, fruto de uma rápida observação do número de igrejas, farmácias e botequins numa mesma rua.
A igreja tem sido uma saída para aplacar a dor espiritual, que nem sempre é espiritual. A farmácia tem um cardápio variado de drogas para aplacar a dor do corpo, que nem sempre é do corpo. O botequim oferece o álcool como uma saída para aplacar a dor da paixão, que nem sempre é paixão.
Existem dores e dores. E formas e formas de lidar com elas. Entendo que a complexidade de determinadas dores exigem ações multidisciplinares. Até porque quem sofre no corpo sofre também na alma – o livro de Jó mostra isso claramente. Jesus mesmo sofreu na cruz, mas antes sofreu no Getsêmani, sofreu na alma, chegando inclusive a transpirar sangue.
Como crentes temos muito que aprender em relação ao estudo da dor. Isso porque alguns usam a fé como guardiã da dor, enquanto outros a usam como negação de todo e qualquer tipo de dor e sofrimento, tomando como justificativa o texto de Isaías 53. Caio Fábio diz, e concordo com ele nesse sentido, que: “A tentativa de fazer da Cruz o ponto de anulação de toda a dor e enfermidade é falso. Não tem apoio no texto bíblico, nem nas doutrinas apostólicas, nem na experiência humana narrada na Bíblia.” (“O privilégio de poder simplesmente dizer: Tá Doendo!”).
Que a fé nos impulsiona a lutar para vencermos e superarmos nossas dores, isso é verdade! A beleza e a dinâmica da fé residem justamente no fato de que: “tudo é possível ao que crê.” (Mc. 9: 23). Quem crê busca soluções, saídas, não entrega o jogo no primeiro tempo.
Se você quer saber como lidar com a dor. Penso que só existe uma forma : enfrentando-a!


Ailton Gonçalves Desidério

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