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AS PÉROLAS DA VIDA!


Folheava os livros que estavam numa banca de promoção de uma grande livraria e de repente me deparei com uma peróla, melhor, com um livro de “Rubem Alves”, autor que muito aprecio, com este título: “Ostra feliz não faz peróla”. Comprei e vim para casa ávido em começar a lê-lo. Título de livro é como isca: se você morde não tem jeito. Tem que levar!
“Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos –, seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: ‘Ela não sai da sua depressão...’. Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro de sua carne e doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava.” (Rubem Alves. “Ostra feliz não faz peróla”)
A produção de uma pérola ocorre por conta de um acidente, ou seja, por conta de uma substância estranha, que desliza para dentro da concha, produzindo uma irritação no seu suave tecido interno. Para defender-se e livrar-se do incomodo, da dor, a ostra envolve o pequeno objeto intruso com várias camadas de uma substância chamada de madrepérola. A pérola é o resultado desses múltiplos revestimentos. Não ignore os problemas. Revista-os de sentido.
Quanto mais arredondada for uma pérola mais valiosa ela é. As pérolas são dotadas de uma variedade de cores: branca, preta, cinza, vermelha, azul e verde. Pérolas são lindas, valiosas e nas mãos de um bom artífice formam jóias caríssimas. Mas o que poucos sabem é que uma pérola é fruto de uma grande tensão interna, de uma dor que vem das entranhas.
O que você está fazendo com a sua dor? Rejeitar ou ignorar a dor não resolve o problema. Muito pelo contrário. Uma dor abafada pode produzir o efeito panela de pressão, irrompendo na vida de forma inesperada causando um grande prejuízo que poderia ser evitado. O que era incomodo pode transformar-se num pesadelo. Não procure a dor. Mas quando ela aparecer não a ignore, enfrente-a. É enfrentando a dor que produzimos as mais belas e valiosas pérolas da vida. E a felicidade? “A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas.” (Rubem Alves).
Deveríamos buscar a dor? Deveríamos fazer da dor um objeto de adoração? Um totem? De modo algum. Se a cruz é símbolo do sacrifício, portanto, da dor, do sofrimento, da angústia, do desamparo, do Filho de Deus. O túmulo vazio é símbolo de um corpo que não foi envolvido pelas faixas mortuárias usadas nos defuntos, mas símbolo de que no seu imenso poder e amor Deus envolveu a tristeza com o manto da alegria; a dor com o manto da esperança; a morte com o manto da vida. A fé, portanto, é a pérola que é formada no coração daquele que não ignora a dor, mas que a envolve com sucessivas camadas de esperança.
É verdade que ostra feliz não produz pérola. Mas isso não significa que devamos buscar a dor e nem nos apegarmos as experiências ruins da vida.
Não procure a tristeza. Ela sabe o caminho da sua casa.
Não rejeite a tristeza. Ela conhece as vielas da vida.
Não frustre a alegria de hoje pensando na tristeza de amanhã. Viva um dia de cada vez.
Não entregue os pontos. Uma pérola não se forma da noite para o dia.
Não cobice a alegria dos que estão alegres e não julgue a dor dos que estão tristes. A vida é cíclica: quem está por cima hoje pode estar por baixo amanhã, e vice-versa.
Se as pessoas não compreendem o momento que você está vivendo e como você está vivendo. Se elas não valorizam suas experiências. O conselho é: “não lance pérolas aos porcos”.
“São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são artistas. Beethoven – como é possível que um homem surdo, no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria?” (Rubem Alves)
Viva a vida! Supere os obstáculos! Guarde as pérolas!

Ailton G. Desidério

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