Coitada da última gota d’água. Quando a caixa d’água transborda, a culpa é sempre dela. Daí a expressão: “Essa agora foi a gota d’água que faltava.” E lá vai a coitada da gota d’água levando a culpa pelas demais gotas que, durante muito, muito tempo, foram se acumulando, até que a fatídica gota caísse no copo.
Segundo uma tabela da SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), um gotejamento lento produz uma perda estimada de 10 litros de água por dia. Se for médio, 20 litros. Se for rápido, 32 litros. Faça as contas e veja quanto de água pode ser desperdiçado com um simples pinga-pinga. E quando essa água toda se acumula — seja em um copo, seja em uma caixa d’água — não tem jeito: um dia vai estourar. Vai transbordar.
Quando as emoções “negativas” (uso as aspas porque, desde que sejam admitidas, não podem ser chamadas de negativas) se acumulam no mundo interior de uma pessoa, são como gotas d’água: mais cedo ou mais tarde, acabam transbordando. E é nesse momento que surgem os sintomas, as doenças.
A depressão, por exemplo, pode ser entendida como fruto de um gotejamento emocional que, quando não é drenado — ou seja, verbalizado — adoece, deprime. Ninguém é de ferro. Ninguém aguenta acumular por muito tempo as emoções “negativas” que precisam ser drenadas, canalizadas, verbalizadas.
A maneira correta de estancar uma goteira emocional não é tampando, nem engolindo a seco. É falando. Em algumas situações, a depressão é um alarme dado pelo organismo, pelo psiquismo, pelo corpo, de que existe um gotejamento que está encharcando a alma e precisa ser canalizado.
Olhando por esse prisma, a depressão — como bem diz o teólogo Anselm Grün — “muitas vezes é um mecanismo de proteção”. A depressão denuncia que há um vazamento que precisa ser eliminado.
O problema é que, na maioria das vezes, usam-se medicamentos como forma de tampar o sentimento que deveria ser escoado pela fala, num tratamento psicanalítico.
Fica aqui o registro: tome cuidado com as gotas d’água que estão vazando na sua casa. Tome cuidado com as emoções — frutos de traumas não superados, culpas carregadas, ressentimentos, amarguras e tantos outros sentimentos “negativos” — que, por vezes, se acumulam indevidamente no interior das pessoas.
Cuidado com as goteiras.
Cuidado com as emoções acumuladas.
Certa ocasião, quando participava de um congresso na cidade de Gramado, aproveitei a oportunidade para explorar as belezas daquela região. Foi então que conheci uma das vistas mais impressionantes do Brasil: o cânion Itaimbezinho. Uma paisagem simplesmente deslumbrante. Se você ainda não conhece, vale a pena conhecer. Mas tome cuidado: a altura do Cânion Itaimbezinho é de 720 metros e, como você sabe, o abismo atrai, deixa a gente meio zonzo e... O que existe no abismo para que ele exerça tamanha força de atração sobre as pessoas? Não existe nada. Mas o abismo é um nada que atrai. Como disse Nietzsche: “Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.” O nada, o abismo, tem a ver com a força especulativa e fantasiosa do desejo. O desejo é o canto da sereia que atrai os viajantes incautos. É por sermos seres do desejo que nos aproximamos do abismo. Somos atraídos por esse “nada pleno” que é o desejo — que, em algumas ocasiões, nos coloca em verdadeiras enrascadas...
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