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O INFARTO DA ALMA

Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator. Mas sim de vários fatores. Hoje quero falar da depressão como consequência do infarto da alma, fruto do represamento das emoções e dos traumas da vida que não foram elaborados. Conhecemos da medicina a expressão "infarto do miocárdio", que é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam no interior das artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca forma-se um coágulo que interrompe o fluxo sanguíneo, levando a diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), gerando o infarto do miocárdio. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia tem um cardiômetro, que marca em tempo real o número de pessoas que vão a óbito no Brasil por conta de problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o infarto do miocárdio é a principal causa de morte no Brasil. Segundo o Dr Drauzio Varella "sentimentos como intranquilidade interior, sofrimento emocional, infelicidade, o estresse é o principal fator de risco para as doenças do coração". O que essa colocação do Dr Drauzio Varella demonstra é que o corpo é um todo integrado onde as emoções, os sentimentos, o psiquismo, a alma, tem um papel fundamental para o bom ou mau funcionamento. Infelizmente existe uma divisão entre corpo e alma, onde o psiquismo é, em geral colocado em segundo plano. No ambiente cristão há uma tendência de valorizar o espírito em detrimento da alma, ou seja, do psiquismo. Esse pensamento é uma distorção da teologia cristã, a partir da apropriação indevida da filosofia neoplatônica. O neoplatonismo é uma reinterpretação da filosofia de Platão, baseada na ideia de dois mundos: o mundo visível e o mundo invisível, o mundo real e o mundo das ideias; onde se encontram as ideias perfeitas, a verdade plena. Nesse sentido, a teologia cristã tomou o mundo das ideias como mundo eterno, perfeito, ou seja, a morada de Deus. Ao apropriar-se dessa filosofia a teologia cristã introduziu uma supervalorização da vida eterna, em detrimento da vida presente, como se esta não tivesse valor. Basta uma leitura dos evangelhos para observar que não existe nada mais antibíblico. Irineu de Lyon, um dos pais da igreja, que viveu entre 130 e 202 DC, disse de modo muito próprio que "A glória de Deus é um ser humano plenamente vivo". Peter Scazzero, no livro "Espiritualidade emocionalmente saudável", diz que Deus nunca nos pediu que morrêssemos para os desejos saudáveis e prazeres da vida, tais como amizade, alegria, arte, música, beleza", dentre outros. Peter Scazzero também diz que "Não devemos nos tornar 'não pessoas' quando nos tornamos cristãos.". A fé em Deus é promotora da vida no aqui e agora, que culmina na eternidade. Não são duas vidas distintas, separadas, mas uma única vida que vai se constituindo a partir do aqui e agora. Vale destacar as palavras de Jesus, quando Ele disse: "Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância". Vida abundante aqui tem a ver com vida de qualidade. Fiz uma digressão, mas foi proposital. Entendo que essa divisão entre corpo e alma, onde a alma é colocada no porão da vida, como algo de menor valor, seja subvertida. Até porque, seria possível um corpo sem alma? A palavra grega para alma é psiquê. Para o filósofo e teólogo Anselm Grün psiquê pode significar borboleta. Dá para imaginar uma borboleta carregando uma mochila nas costas? Mas, quantas vezes sobrecarregamos a nossa alma com pesos e cobranças que nos impedem de contemplar a beleza da vida? Almas pesadas não pousam em flores. Almas pesadas são como moscas que se alimentam da carne putrefata do passado: mágoas, ressentimentos, raiva, ódio. Sentimentos que precisam ser elaborados, expressados, para que a alma continue livre como uma borboleta. Uma outra palavra grega associada a alma é psycho, e tem o sentido de "soprar", "respirar". Comparada ao sopro a alma nos remete a dinâmica da vida. Uma vida sem sopro, sem elã, não se movimenta. A depressão é sintoma de uma alma aprisionada a questões do passado, que não se movimenta. Daí o cansaço e a apatia constante do deprimido caracterizada pela falta de vontade de sair de casa e estar com as pessoas. A depressão é sintoma do aprisionamento da alma. Comparada ao sopro, a alma nos remete ao conceito de vida. Sem alma, sem sopro, não tem vida. A palavra hebraica, traduzida para o grego como alma, é nefesch; e tem o sentido de "goela", "garganta", "abismo". A alma é um mundo sem fim. O que nos remete ao conceito freudiano de inconsciente, enquanto um reservatório infindável de desejos reprimidos. Nesse sentido, o infarto da alma, a depressão, é sintoma de algo muito mais profundo; a ponta do iceberg, que precisa ser investigada a partir da fala daquele que está sofrendo. O analista é o profissional que ajuda nesse processo de desobstrução dos sentimentos, das emoções, dos traumas não elaborados, a partir da fala do depressivo. O cateterismo realizado pelo analista é o convite à fala livre. Anselm Grün diz que "a alma pede a palavra através da depressão.", ressaltando que "muitas pessoas querem livrar-se o mais rápido possível da depressão, eliminando-a através de remédios ou de práticas terapêuticas comportamentais. Mas devo primeiro ouvir o que diz a alma. A alma quer me dizer alguma coisa através da depressão." Carl Gustav Jung disse que devemos imaginar a depressão como uma senhora vestida de preto. E que, em vez de enxotá-la, devemos convidá-la para a mesa como forma de sabermos o que ela tem a nos dizer. Jung diz que na depressão a alma pede a palavra. Interessante que em muitos milagres realizados por Jesus, Ele perguntava para aquele que estava sofrendo: "o que queres que eu te faça?". Ao invés de convidar aquele que sofria a falar do seu sofrimento, Jesus poderia dizer: "comporte-se como um bom paciente. Não fale nada. Não faça nada. Não se mexa. Deixe comigo que eu resolvo". Mas ao agir deste modo Jesus deixa claro a importância da fala como fator de cura. A depressão, enquanto infarto da alma, é um grito no silêncio; sendo o remédio, o convite a fala.

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