Recebi alguns emails e telefonemas comentando o texto “A dor da alma”, da edição do mês passado do JORNAL NOVAS. Por conta disso retomo esse tema como forma de acrescentar algumas outras considerações.
Desde o nascimento até a morte a dor nos acompanha, e viver sem dor é a grande utopia da humanidade. Os livros de auto-ajuda estão entre os mais vendidos, pois apresentam aquilo que todos querem: uma receita para o alívio da dor existencial, a dor da alma. O próprio sentimento religioso, nas suas múltiplas e variadas formas de expressão, se apresenta como um ancoradouro, uma proteção contra a dor. Mas religião alguma no mundo tem o poder de eliminar a dor em definitivo. Os religiosos também sofrem e por vezes mais do que os não religiosos.
No meio evangélico é comum ouvirmos alguns pregadores dizendo que Jesus preenche o vazio que existe no coração do homem. Não concordo! Se Jesus preenchesse o vazio do coração teria atendido a oração do ap. Paulo e retirado dele o que ele considerava como um pequeno e muito sofrido espinho na carne. Para o ap. Paulo isso seria a máxima expressão da plena felicidade. Mas não foi isso o que Deus fez. Leia II Coríntios 12.
Se a fé em Deus eliminasse todas as dores, como entender o livro de Jó, os salmos de lamentação, o livro de lamentações do profeta Jeremias, o choro de Jesus por ocasião da morte de Lázaro, o sofrimento Dele na cruz, o espinho na carne do ap. Paulo, os últimos versículos do cap. 11 de Hebreus, a cruel perseguição as igrejas da Ásia retratada no livro de apocalipse?
O Evangelho enquanto proclamação de Boas Novas não elimina a dor. Ele a resignifica. A vida de Jesus e em especial a sua morte na cruz nos serve de exemplo. Uma das sete expressões proferidas por Jesus na cruz foi: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mateus 27: 46). Interessante que perante Pilatos Jesus ficou calado. Mas na cruz Ele falou. Na verdade do que adiantaria Jesus se justificar perante alguém que se apresentava como imune a toda a dor, vivendo acima do bem e do mal? Pilatos sofria do mesmo mal que Naamã, o comandante do exército do rei da Síria que escondia a sua lepra, a sua dor, com um belo uniforme militar, repleto de condecorações (II Reis 5).
No auge do seu sofrimento na cruz Jesus falou. Gritou! Bradou! Qual foi a última vez que você fez isso? Com quem? Imagino que se você fez com a pessoa errada a emenda ficou bem pior do que o soneto! “Mas como?” Você pode estar se perguntando: “Eu desabafei com o meu marido, com a minha esposa, com a minha mãe, com o meu filho, com o meu melhor amigo, e não fui compreendido?” É que as relações emocionais, por vezes passionais, não permitem escutar o que o outro, você, está querendo dizer. Não é que ele ou ela não o entenda, nem o ame, mas sim o fato de que tomados pela emoção o espaço da escuta tende a ser obscurecido, mal interpretado, visto como acusação, podendo suscitar as reações mais adversas.
É preciso reconhecer que há em toda a dor um poder terapêutico que aponta para uma área da vida que precisa ser vista com mais atenção. O efeito colateral de esconder a dor, de falsificá-la, é bem pior do que enfrentá-la. Se tem algo inerente e pertinente a dor, em especial a dor da alma, é a insistência.
Se a dor surge a partir de um sintoma, não é o sintoma em si a origem primária e básica da dor. O sintoma, como diz Foucault “é a forma como se apresenta a doença: de tudo que é visível, ele é o que está mais próximo do essencial, ele é a transcrição primeira da inacessível natureza da doença. Os sintomas deixam transparecer a figura visível e invisível da doença.” (Foucault, M. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977, p. 101.)
Se não é possível eliminar a dor por completo, cada caso é um caso, é possível dela extrair um sentido. Sentido esse que abre uma nova perspectiva permitindo o estabelecimento de uma dinâmica mais prazerosa e menos sofrida; mesmo frente as circunstâncias adversas da vida. A vida é bela!
Ailton G. Desidério
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