Pular para o conteúdo principal

Com quem está o anel?





“Com quem está o anel?” Esta pergunta é o tema central de uma antiga brincadeira de roda que cheguei a participar quando era criança. Velho, eu? Nem tanto!
Estive pensando: por que o anel e não um outro objeto? Nada é por acaso! Há toda uma subjetividade em torno do anel, enquanto símbolo de poder, autoridade, status e compromisso.
O anel enquanto aliança é símbolo de um compromisso de amor entre duas pessoas que dizem se amar e por conta disso almejam uma vida em comum, através do casamento. Sobre isso a psicanalista Maria Ângela Cardaci Brasil, diz: “O anel de casamento inicialmente era um presente dado pelo noivo à noiva como um selo da promessa que ele fazia de amor e fidelidade; o anel deveria também desviar os ataques dos demônios, portanto prometia proteção.”
Destacamos desta colocação duas questões: 1) o anel como um selo da promessa de amor e fidelidade, 2) o anel como símbolo de proteção dos demônios.
O que mudou na promessa de amor e fidelidade simbolizada através do anel, da aliança de casamento? Não diria que tenha sido o amor, pois isso nos levaria a pensar que os casais se amavam mais antes do que hoje. Amor sempre vai ser amor. Quem ama, ama.
Não vejo o problema do crescimento do número de divórcios, por exemplo, como conseqüência da fragilidade do amor de hoje. É bem verdade que o sentimento de amor hoje em dia está sendo capturado por uma subjetividade plasmática, tão bem personificada pela realidade virtual. O amor romântico perdeu terreno para o amor erotizado. Bom seria que os dois caminhassem juntos.
Fidelidade é uma palavra que está ficando fora de moda. Com uma gama tão grande de possibilidades, por exemplo, você coloca uma palavra chave numa ferramenta de busca na internet e aí aparecem “trilhões” de possibilidades. Embriagados por tamanha facilidade, que aponta para uma satisfação quase que imediata, é natural que a fidelidade fique cada vez mais enfraquecida.
Hoje em dia encontrar um casal com mais de trinta anos de casamento está cada vez mais difícil. O que está se tornando comum atualmente é uma pessoa ter dois, três, quatro relacionamentos, ditos estáveis. Por quê? Penso que uma das razões é porque num mundo de tantas facilidades o limiar de resistência as frustrações está ficando cada vez mais baixo.
Ora, se um determinado “produto” não está atendendo as expectativas do consumidor a saída mais fácil é trocá-lo por outro. Casamento está virando produto. O problema é que de troca em troca a frustração que se pretendia vencer, como que tampando o sol com a peneira, na busca de um grande amor que viesse a preencher o vazio da vida, aumenta de forma exponencial.
Casamento pode quebrar a solidão, mas não preenche o vazio de ninguém. Nem mesmo Deus preenche o vazio do coração do homem, como diz o refrão tão comum em nossas igrejas. Não se assuste! O vazio faz parte da existência humana, se não o tivéssemos e vez por outra não o experimentássemos seríamos como Deus. E essa foi justamente a tentação do diabo na história bíblica do pecado original: ser igual a Deus.
A segunda característica do anel é que ele era visto como símbolo de proteção contra os demônios. Demônios? Que demônios? Ainda hoje pensamentos e desejos são vistos como demônios. Se o símbolo da cruz afasta os demônios que assustam e assombram a alma, o anel, enquanto um outro símbolo ajuda, ou pelo menos ajudava, a lidar com os demônios da cobiça e da atração fatal por uma pessoa do sexo oposto fora do casamento, trazendo à memória a lembrança de um compromisso outrora assumido.
E aí, com quem está o anel? Está com você? Se a sua resposta é sim isso significa que um dia você cativou e foi cativado por alguém que você disse que amaria para sempre. Sendo assim, como encontramos no ontológico livro “O Pequeno Príncipe”: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”
O amor pode iniciar um relacionamento, mas sem a vontade de amar nenhum relacionamento se sustenta. Dietrich Bonhoeffer escreveu para um amigo de quem recebeu um convite de casamento as seguintes palavras: “... até aqui o amor sustentou a relação de vocês, daqui por diante será a relação de vocês que há de sustentar o amor...”
A propósito! Com que está o anel?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Amor é uma palavra simples e complexa. Simples por ser amplamente utilizada. Complexa porque só tem sentido quando está relacionada a uma outra pessoa. Usado de modo isolado, solto, amor é uma palavra vaga e sem sentido. O amor não existe sozinho. Amor, do verbo amar, só existe quando é conjugado: eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos, vós amais, eles amam. Simples assim. Será? No português usamos a palavra amor para descrever diversas situações, com os mais variados sentidos. No grego usa-se três palavras com significados específicos para a mesma palavra amor no português: ágape - amor divino; philos - amor fraterno; eros - amor apaixonado, sexualizado. É sobre esse tipo de amor, sobre Eros, que quero falar. Farei isso a partir do mito grego entre Eros e Psiquê, como forma de destacar que não existe Eros sem Psiquê. Ou seja, não existe amor sem alma. Antes, porém, julgo importante destacar que eros, de um vem a palavra erotismo; e pornos + graphô, de onde vem a palavra pornografia...

O INFARTO DA ALMA

Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator. Mas sim de vários fatores. Hoje quero falar da depressão como consequência do infarto da alma, fruto do represamento das emoções e dos traumas da vida que não foram elaborados. Conhecemos da medicina a expressão "infarto do miocárdio" , que é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam no interior das artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca forma-se um coágulo que interrompe o fluxo sanguíneo, levando a diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), gerando o infarto do miocárdio. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia tem um cardiômetro, que marca em tempo real o número de pessoas que vão a óbito no Brasil por conta de problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o infarto do miocárdio é a principal causa de morte no...

ANGÚSTIA, MEDO E FOBIAS

Podemos dizer que a angústia é o sentimento de base dos demais sentimentos. Mas, para chegar a angústia é preciso superar as barreiras do medo e fobias. Em geral, esses sentimentos mascaram a angústia. A angústia é um sentimento inquietante, que produz muita agitação. Pessoas angustiadas tendem a ser pessoas agitadas. É preciso ocupar-se com inúmeras tarefas para não se sentir tão angustiado. Em geral, uma pessoa tomada pelo sentimento de angústia não sabe falar sobre ela. Algumas tentam descrever o que estão sentindo com o movimento de passar a mão sobre peito, dizendo: "estou sentindo um aperto, um nó na garganta, mas não sei descrever" . Essa pressão inquietante, esse sentimento indefinido, esse "nó na garganta", tem nome: é angústia. É mais fácil uma pessoa dizer que está sentindo medo do que dizer que está se sentindo angustiada. O medo tem um motivo aparente. Na angústia tem um motivo velado, escondido, que precisa ser decifrado. Socialmente falando, é...