Não existe nada mais fascinante e atraente do que um espelho. Espalhado por todos os lados ele exerce uma influência sem igual sobre as pessoas – quem resiste a tentação de passar em frente a um espelho sem dar uma olhadinha pra ver como está o “visual”. Há alguns anos atrás o espelho era um objeto super valorizado pelas mulheres e ainda continua; só que atualmente os homens também descobriram o valor estético do espelho.
Dizem que é a partir do reflexo da imagem na água que surge a idéia do espelho. Na mitologia grega temos a história de Narciso que desprezava todas as ninfas que por ele se apaixonavam até que uma destas, revoltada com o descaso com que Narciso a tratava, pede que a deusa da vingança lhe imponha um castigo que o levasse a reconhecer o que significava amar e não ser correspondido. Você já passou por essa experiência de amar uma pessoa, dedicar-se a ela, quem sabe anos a fio, mas sem ser correspondido(a)?
Narciso é conduzido a um lago cristalino, do qual ninguém se aproximava, e lá vê o reflexo da sua própria imagem. Apaixonado por si mesmo, mas sem se dar conta disso, morre frente ao desprezo de amar e não ser correspondido.
Narcisismo é a palavra usada para referir-se a este amor egocêntrico cujo resultado é o isolamento, a morte. Quem agüenta viver ao lado de uma pessoa com ar de superioridade, que só sabe cultuar a própria imagem?
É fascinada por sua própria imagem que a rainha malvada pergunta ao seu espelho mágico: “espelho, espelho meu. Existe neste mundo alguém mais bonita do que eu?” Por que ela pergunta ao espelho e não a uma bola de cristal? Porque é presa a contemplação da própria imagem que uma pessoa se julga superior as outras. O espelho que não é cego responde: “Branca de Neve”.
Perguntar para o espelho é perguntar pra si mesmo o valor que se tem em relação ao outro. O espelho é uma metáfora do mundo interior que em algumas situações revela um complexo de inferioridade por detrás de um eu enfraquecido, quem sabe por conta de humilhações e abusos vividos na infância. A quem diga que o complexo de superioridade é na verdade a face oculta do complexo de inferioridade.
Você já se viu no espelho hoje? E aí, o que ele lhe disse?
A voz do espelho vem do outro. Quando eu e você nos olhamos no espelho, assim fazemos por conta do outro. Não é o espelho que diz que a gravata está torta, nem que o batom fugiu os limites dos lábios – são os outros que dizem: “você viu aquele homem desajeitado com a gravata toda torta? E aquela mulher que se borrou toda com o batom?”
Rollo May no livro “O homem a procura de si mesmo” diz que aquele que se preocupa em agir tão somente a partir do que ele pensa que os outros esperam dele: pais, professores, patrões, pode ser visto como uma pessoa que carrega uma coleção de espelhos colados em si mesmo. Você já viu o que acontece quando se lança um facho de luz sobre uma bola com vários espelhinhos colados? Inúmeros reflexos isolados e picotados são espalhados pelo ambiente. É isso o que acontece com uma pessoa extremamente dividida e afetada pelo o que os outros esperam dela.
Numa sociedade que nunca valorizou tanto a imagem como a nossa é preciso saber que toda a imagem, inclusive aquela que se pensa ter de si mesmo é distorcida. Não existe espelho perfeito. Por melhor que seja a imagem refletida sempre haverá uma variação entre o real e o virtual. Tomar o virtual como real é perigoso e desastroso.
Você não é o que os outros dizem que você é. Você também não é o que você diz que é. Coisa de maluco? Que nada! É nisso que reside a beleza da vida, que na sua forma dinâmica não cabe na moldura de um espelho.
Ailton Gonçalves Desidério
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