“O meu psicólogo é Jesus!” Não é incomum ouvirmos esta expressão. É que ainda existe por parte de alguns crentes certo preconceito em relação as ciências psi. Se tomarmos esta expressão como uma máxima então poderíamos dizer, num sentido bem terra-terra, que Jesus também é o nosso: médico, dentista, advogado, engenheiro, e para não discriminarmos as demais profissões poderíamos também acrescentar que Ele é o nosso: pedreiro, encanador, eletricista, etc. Ou não?
Fé e ciência podem ser vistas como duas irmãs turronas, daquelas que só vivem se bicando. Freud, por exemplo, disse que a religião é uma neurose obsessiva universal ( Freud [1927] – “O Futuro de uma ilusão”). Mesmo não concordando com a íntegra desta afirmação, não posso negar que ele tinha lá seus motivos para ver a religião desta forma. A leitura dos fatos depende do óculos de quem lê.
O interessante é que Freud, tido como um anti-religioso, e na verdade era, pediu a um amigo chamado Pfister, um pastor protestante, com quem se correspondia, para comentar o texto que acabara de escrever, com duras críticas a religião, entenda-se: ao cristianismo. O pastor Pfister comenta com fina delicadeza e profunda sabedoria as colocações de Freud dizendo: “Não compreendo bem sua visão de vida. É impossível que aquilo que o senhor rejeita como fim da ilusão, e que proclama como único conteúdo verdadeiro, seja tudo. Este mundo sem templos, belas artes, poesia, religião é aos meus olhos uma ilha diabólica, para a qual somente um satanás, não o acaso cego, poderia desterrar as pessoas.”[1]
Para quem se interessa pela discussão entre psicanálise e religião sugiro o livro “O Futuro e a Ilusão”, organizado por Karin Hellen Wondracek, que é uma psicanalista membro do CPPC (Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos). Vale a pena conferir!
No livro “Mitos e Neuroses”, encontramos uma citação de G. Reynold, que diz: “O indivíduo, como homem, está subordinado à espécie humana, à sociedade e, em conseqüência, ao Estado... Mas a pessoa, no homem, está subordinada a Deus...” Paul Tournier acrescenta: “Ao negar Deus, a humanidade perdeu a noção de pessoa... Ao fechar os olhos ao mundo do espírito, o homem tornou-se incompreensível para si mesmo.”[2]
A birra entre essas duas irmãs turronas se dá em virtude da ciência não admitir a possibilidade de algo para além do empirismo científico; e da religião em não admitir qualquer espécie de questionamento ao seu pensamento dogmático. Quando há polarização inexiste a possibilidade de diálogo. Ambas desconhecem que “O mundo é estrutura fixa, caminho, mas também aula, didática divina. Cada evento é uma lição.”[3]
Nas costumeiras brigas entre irmãos alguns pais adotam uma estratégia bem interessante de aproximação: colocam os dois sentados no sofá e pedem que dêem as mãos por certo tempo. Penso que o mesmo deveria ser feito em relação a fé e a ciência, essas duas irmãs turronas. O problema é quem aplicaria essa lição.
Tanto a fé dogmatizada quanto a ciência empirista não admitem a idéia de um Deus que não se define. Mas quando Deus se revelou a Moisés chamando-o para ir libertar o povo de Israel do Egito, Moisés perguntou: “Eis que, quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi?” Deus respondeu de forma enfática: “Eu sou o que sou” (Ex. 3: 13,14) – só faltou dizer: “E pronto!”. Deus é indefinível em sua essência e natureza, se que é que podemos falar que Ele é natural!
O problema é que a ciência tem ojeriza a definições subjetivas. Enquanto que a fé faz da subjetividade uma verdade. Se ambas admitissem a impossibilidade de responder: “Quem é Deus?” penso que já seria um grande avanço na busca de aproximação possível. Fé e ciência não se opõem, elas se complementam. Se uma diz: para! A outra diz: avança!
Penso que a relação entre fé e a ciência precisa ser uma relação dialética, e mesmo que seja uma relação portadora de uma certa tensão esta deve ser administrada por conta do que ambas têm em comum: o bem estar da pessoa, daquele que está sofrendo.
A fé deve instigar a pessoa a ir além do que a ela é dado como pronto, acabado, definido. Fé é movimento! A ciência, por sua vez, deve oferecer as ferramentas possíveis para a superação dos impasses da vida - o impossível fica por conta da fé de cada um. Neste sentido, procurar a ajuda de um profissional: quer seja um médico, um psicólogo, um advogado, um pedreiro, um encanador, um eletricista, etc., conforme a necessidade e peculiaridade de cada caso é, sem sombra de dúvida, um ato de fé.
Para refletir: “a mediocridade é a tentativa de permanecer acampado, não reconhecendo ou legitimando o mar que existe para ser transposto.”[4]
[1] Freud, Sigmund (1856-1939). “Cartas entre Freud e Pfister – um diálogo entre a psicanálise e a fé cristã”. Tradução de Karin Hellen Kepler Wondracek e Dimar Jorge. Viçosa. Ultimato. 1998. p. 154
[2] Tournier, Paul. “Mitos e Neuroses: desarmonia da vida moderna.” Trad. Yara Tenório da Motta. São Paulo: ABU editora: Viçosa: Ultimato. 2002. p. 42
[3] Alves, Rubem. “Dogmatismo e Tolerância”. São Paulo. Ed. Paulinas. 1982. p. 35
[4] Bonder, Nilton. “A Alma Imoral”. Rio de Janeiro. Rocco. 1998. p. 77
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