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A IGREJA E O HOSPITAL PSIQUIÁTRICO


Mesmo com todo o sinal de exuberância e vida a conclusão que chego sobre a igreja a partir da observação de alguns fatos e também da minha própria experiência de vinte anos de ministério pastoral, e pouco mais de dez anos como estudioso dos fenômenos psi, é que a igreja está doente. Acho pouco, muito pouco provável, que se Jesus nascesse hoje Ele se sentiria a vontade em qualquer igreja, de qualquer denominação, tradicional ou pentecostal, histórica, jurássica (“Baptissssssssssta”, como diz jocosamente um amigo e grande conferencista) ou neopentecostal.
Se Jesus nascesse hoje Ele ficaria vagueando pelas ruas da cidade: curando os doentes, aliviando o sofrimento dos aflitos, restaurando relacionamentos partidos, brincando com as crianças, e ensinando lições preciosas a partir das múltiplas experiências do cotidiano. Ele estaria mais para o profeta Gentileza, que se dizia “amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento” do que para os profetas engravatados da mídia.
Certa ocasião, quando Jesus participava de uma festa oferecida por Mateus, o cobrador de impostos que estava deixando um ótimo emprego público, o de fiscal da receita, para andar pelas ruas poeirentas da Galiléia seguindo Jesus; os escribas e fariseus começaram a falar: “veja como Ele come e bebe com os publicanos.”. No que Jesus respondeu: “Não são os que têm saúde que precisam de um médico, mas sim os doentes.”. Ô raça...
Será que a metáfora da igreja como hospital veio destas palavras de Jesus? Pode ser! Mas que tipo de hospital a igreja é? Psiquiátrico, quem sabe.
Na graduação do curso de psicologia estagiei em um hospital psiquiátrico de renome. Atuava na enfermaria de acolhimento a crise, que era o primeiro setor para onde os pacientes surtados eram encaminhados após o atendimento na emergência. Vi e aprendi muitas coisas. Apresento alguns recortes e deixo com você o exercício de traçar um paralelo com a igreja.
Vi e aprendi que é infrutífero tentar desmentir ou afirmar o delírio do paciente, quase fui agredido por conta disso. É que os delírios são construções particulares e singulares, podem ser questionados, mas nunca negados ou afirmados.
Vi e aprendi que nem tudo é manifestação demoníaca, mas sim convulsões histéricas, que são bem similares as possessões. Aprendi que o demônio na vida de uma pessoa pode ser visto como um abuso sofrido na infância, um trauma psíquico, uma grande decepção, ódio, rancor, etc. Com isso não estou dizendo que não creio em manifestações demoníacas. A Bíblia fala sobre elas.
Vi e aprendi que as experiências de vida deixam marcas indeléveis no psiquismo – certa ocasião quando atendia uma paciente, uma senhora idosa, de cabelos bem branquinhos, ela me disse: “Doutor! O senhor não acha que esse negócio de matrimônio, manicômio, pandemônio e demônio é tudo a mesma coisa?” Eu ri muito!
Vi e aprendi com os fenômenos da transferência. Atendia todos os dias um paciente que tinha um delírio de grandeza. Ele dizia ser um alto funcionário da KGB, numa missão ultra-secreta. Certa ocasião ele entrou na sala onde os estagiários e os médicos ficavam e me entregou um bilhete. Abri e li na frente de todos os meus colegas. No bilhete tinha um coração, com uma flecha do cupido, com a frase: “Ailton! I Love you”. Foi uma encarnação geral! Só para esclarecer a transferência é um conceito muito importante na psicanálise e é vista como o motor do tratamento.
Vi e aprendi que paciente psiquiátrico não é bobo. Passeava com alguns deles pela área interna do hospital, quando um jovem que dias antes havia tentado enforcar a mãe quando eu os atendia, tentou pular o muro do hospital. Segurei-o pelo pé quando ele já estava pendurado no muro e disse: “a porta não é por aí e se você quer sair será por ela, mas para isso você tem que aceitar o tratamento.” Foi hilário!
Vi e aprendi que a igreja enlouquece. Comecei a observar que muitos dos pacientes entoavam hinos, cânticos, liam a Bíblia e escreviam mensagens bíblicas no quadro. O louco também tem fé, e por vezes bem maior do que muitos que se acham lúcidos. Certa ocasião atendia os familiares dos pacientes no grupo de convivência. Nessa época eu já era pastor, mas fiquei bem quietinho, pois todos falavam tão mal da igreja e dos pastores. Tudo bem que existem inúmeras distorções, discriminação e perseguição em relação a igreja. Mas pude constatar que algumas das colocações eram realmente procedentes. Ouvi tudo e depois fiquei pensando com os meus botões: “que igreja é essa que estamos construindo?” “Que hospital é esse que ao invés de promover a saúde está promovendo a doença?” “Se a igreja é comparada a um hospital, então ele precisa ser interditada para reforma.”
Uma última consideração: você sabe por que não existem rebeliões em hospitais psiquiátricos? Porque os loucos não se unem. Qualquer semelhança com a igreja é mera coincidência. Será?

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