Pular para o conteúdo principal

A PERSISTIREM OS SINTOMAS



Sempre após a propaganda de algum medicamento aparece a seguinte frase de advertência: “Ao persistirem os sintomas o médico deve ser consultado.”. Na verdade o médico deveria ser consultado logo no início do aparecimento do sintoma. Mas se de médico e louco todos nós temos um pouco, a mensagem obrigatória do Ministério da Saúde tem lá sua justificativa.
O hábito de automedicar-se aponta para a ânsia de livrar-se de um sintoma indesejado. Ato de loucura em alguns casos, pois de tanto tratar do efeito, sem se preocupar com a causa, o resultado é o fortalecimento do sintoma e a conseqüente diminuição do tempo entre uma manifestação sintomática e outra.
No tratamento psicanalítico o que se busca não é a pura e simples remissão do sintoma. Tendo em vista que o objetivo de uma análise é a eliminação do sintoma, enquanto manifestação de dor e sofrimento psíquico, a partir da fala do próprio paciente. Por mais incrível que pareça o sintoma se desfaz a partir da fala daquele que sofre.
O que faz, então, o analista? Só fica escutando? É assim que alguns que procuram a análise com o desejo da imediata remissão do seu sintoma se interrogam e dizem: “eu falo o tempo todo e ele(a) fica ali parado e só sabe dizer – seu tempo acabou!” Vale aqui destacar uma das orientações de Lacan quando disse que o psicanalista dirige o tratamento, mas de modo algum deve dirigir o paciente.
Para o analista a queixa do paciente não é desprovida de sentido, até porque ele já experimentou angústia semelhante na sua própria experiência de análise.
Para a psicanálise o sintoma é uma mensagem, um enigma, que precisa ser decifrado por aquele que dele se queixa; e é a fala do paciente que permite que isso aconteça. Fugir dessa lógica e buscar a pura e simples remissão do sintoma pode até surtir efeito, mas será sempre um efeito temporal, semelhante ao de um analgésico. Se há algo peculiar ao sintoma psíquico é a sua insistência, a sua fluidez. Deste maneira, combatido frontalmente de um lado, ele aparece camuflado em um outro.
Camuflagem é uma boa palavra para se definir o sintoma. Ouço com certa freqüência algumas pessoas referindo-se aos seus problemas de saúde dizendo: “porque a minha gastrite”, “porque a minha úlcera”, “porque o meu problema de coração”. Por vezes é preciso conservar a doença, enquanto queixa, dor, sofrimento, como forma de evitar deparar-se como uma dor e um sofrimento maior, a dor psíquica fruto do desprezo, do abandono, do trauma que insiste em aparecer. Frente a impossibilidade de se lidar com uma determinada dificuldade uma das saídas encontradas pelo psiquismo é a doença. Paul Tournier, psiquiatra suíço, disse que “Muitas doenças começam sendo funcionais e depois tornam-se orgânicas.”
Jair Perestrello, que foi um dos preconizadores do estudo do fenômeno psicossomático no Brasil, destaca a importância de se construir “uma história da pessoa e não da doença somente.” , ao invés de ficar preso a uma construção pura e simplesmente técnica do doença.
Wartel diz que “certos indivíduos não têm outra maneira de viver senão apresentando um modo de resposta permanente ou surtos de tipo psicossomático.” Portanto, tratar pura e simplesmente do sintoma, enquanto manifestação de um sofrimento psíquico, é conservar toda uma estrutura de dor e sofrimento, a partir do emaranhado que o tece e o sustenta.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Amor é uma palavra simples e complexa. Simples por ser amplamente utilizada. Complexa porque só tem sentido quando está relacionada a uma outra pessoa. Usado de modo isolado, solto, amor é uma palavra vaga e sem sentido. O amor não existe sozinho. Amor, do verbo amar, só existe quando é conjugado: eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos, vós amais, eles amam. Simples assim. Será? No português usamos a palavra amor para descrever diversas situações, com os mais variados sentidos. No grego usa-se três palavras com significados específicos para a mesma palavra amor no português: ágape - amor divino; philos - amor fraterno; eros - amor apaixonado, sexualizado. É sobre esse tipo de amor, sobre Eros, que quero falar. Farei isso a partir do mito grego entre Eros e Psiquê, como forma de destacar que não existe Eros sem Psiquê. Ou seja, não existe amor sem alma. Antes, porém, julgo importante destacar que eros, de um vem a palavra erotismo; e pornos + graphô, de onde vem a palavra pornografia...

O INFARTO DA ALMA

Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator. Mas sim de vários fatores. Hoje quero falar da depressão como consequência do infarto da alma, fruto do represamento das emoções e dos traumas da vida que não foram elaborados. Conhecemos da medicina a expressão "infarto do miocárdio" , que é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam no interior das artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca forma-se um coágulo que interrompe o fluxo sanguíneo, levando a diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), gerando o infarto do miocárdio. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia tem um cardiômetro, que marca em tempo real o número de pessoas que vão a óbito no Brasil por conta de problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o infarto do miocárdio é a principal causa de morte no...

ANGÚSTIA, MEDO E FOBIAS

Podemos dizer que a angústia é o sentimento de base dos demais sentimentos. Mas, para chegar a angústia é preciso superar as barreiras do medo e fobias. Em geral, esses sentimentos mascaram a angústia. A angústia é um sentimento inquietante, que produz muita agitação. Pessoas angustiadas tendem a ser pessoas agitadas. É preciso ocupar-se com inúmeras tarefas para não se sentir tão angustiado. Em geral, uma pessoa tomada pelo sentimento de angústia não sabe falar sobre ela. Algumas tentam descrever o que estão sentindo com o movimento de passar a mão sobre peito, dizendo: "estou sentindo um aperto, um nó na garganta, mas não sei descrever" . Essa pressão inquietante, esse sentimento indefinido, esse "nó na garganta", tem nome: é angústia. É mais fácil uma pessoa dizer que está sentindo medo do que dizer que está se sentindo angustiada. O medo tem um motivo aparente. Na angústia tem um motivo velado, escondido, que precisa ser decifrado. Socialmente falando, é...