O que seria da vida se não fosse a linguagem? Quando se trata de vida humana, simplesmente não seria. O ser humano é razão e emoção, pensamento e sentimento — e é por meio da linguagem que ele se constitui como sujeito.
É a partir da linguagem que surge a "gramática da vida". Essa gramática é tão essencial que podemos nos perguntar: foi o homem quem criou a gramática ou foi a gramática quem criou o homem? O que vem primeiro: o ovo ou a galinha? A gramática ou a vida? Dilemas à parte, o fato é que a vida só é possível por meio de uma linguagem que atravessa o sujeito antes mesmo de sua existência.
Se há vida, há palavra. Se há palavra, há vida. Quando faltam as palavras, falta a vida. “Morto não fala.”
Mas não devemos confundir a gramática da vida com a gramática da língua. A gramática da língua possui regras que precisam ser obedecidas. Já a gramática da vida subverte essas leis. Na linguagem da vida, a fala correta — a fala autêntica — é aquela que se forma nos tropeços das palavras fortuitas, do tipo: “Não foi isso o que eu quis dizer.” É nesse tropeço da fala que o sujeito aparece — para, em seguida, desaparecer.
A gramática da vida está atrelada às leis do inconsciente — um caldeirão de desejos reprimidos, traumas, fantasias e idealizações. Segundo o psicanalista Jacques Lacan, o inconsciente está estruturado como linguagem. E é a partir dessa linguagem inconsciente que eu e você somos constituídos. Somos o que somos a partir de uma marca simbólica recalcada no inconsciente.
O objetivo do tratamento psicanalítico é promover a remissão do sintoma — do sofrimento — por meio da fala livre. Simples? Sem dúvida que não. A fala livre não é tão livre assim. As vivências traumáticas não são marcadas por abundância de palavras, mas por sua ausência. Ainda assim, psicanaliticamente falando, não há outro caminho para a remissão do sintoma — e, por consequência, para a superação da dor e do sofrimento psíquico — que não passe pela oferta da fala livre.
Como bem disse Freud: “As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem de piores formas mais tarde.”
Certa ocasião, quando participava de um congresso na cidade de Gramado, aproveitei a oportunidade para explorar as belezas daquela região. Foi então que conheci uma das vistas mais impressionantes do Brasil: o cânion Itaimbezinho. Uma paisagem simplesmente deslumbrante. Se você ainda não conhece, vale a pena conhecer. Mas tome cuidado: a altura do Cânion Itaimbezinho é de 720 metros e, como você sabe, o abismo atrai, deixa a gente meio zonzo e... O que existe no abismo para que ele exerça tamanha força de atração sobre as pessoas? Não existe nada. Mas o abismo é um nada que atrai. Como disse Nietzsche: “Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.” O nada, o abismo, tem a ver com a força especulativa e fantasiosa do desejo. O desejo é o canto da sereia que atrai os viajantes incautos. É por sermos seres do desejo que nos aproximamos do abismo. Somos atraídos por esse “nada pleno” que é o desejo — que, em algumas ocasiões, nos coloca em verdadeiras enrascadas...
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