Não existe nada mais complexo no mundo do que o ser humano. Complexo no sentido de intrincado, emaranhado, embolado, complicado. Vai entender a cabeça de uma pessoa que só vive insatisfeita com a vida. Pra ela tudo é difícil, impossível até mesmo. Quando não tem quer ter, mas quando tem não valoriza. Pra pessoas assim o valor das coisas reside no fato de querer alcançá-las e não na coisa em si.
A vida é complexa ou somos nós que a complexificamos? De onde vem essa capacidade de tornar complexo o que é simples? Por que alguns transformam pequenos problemas em montanhas intransponíveis, de tal modo que uma dor de cabeça é logo percebida como um câncer incurável, a demora do filho significa que ele foi seqüestrado, e uma crise qualquer seja percebida como o sinal dos tempos? De tanto complicar o que é simples criamos monstros devoradores, verdadeiros Frankensteins, e passamos o resto da vida fugindo deles. É a velha história da criatura versus criador.
Por que complicamos o que é simples? Será porque confundimos equivocadamente o que é simples com o que é banal? Mas simplicidade não tem nada a ver com banalidade. Simplicidade tem a ver com singeleza, leveza, beleza, natural. Já o mesmo não podemos dizer em relação ao que é sofisticado. O que é sofisticado hoje pode ser banal amanhã. Por exemplo, o pesado ferro de passar roupa aquecido com carvão já foi ultramoderno, mas hoje só serve como peça de museu. Qual a dona de casa que trocaria o leve ferro elétrico de hoje pelo pesado ferro de carvão de ontem? A tecnologia muda e valoriza a vida, mas ela nunca substituirá a simplicidade da vida.
O estudante de medicina que começa a aprender sobre os órgãos, músculos, nervos, neurônios, sinapses, corrente sanguínea, fica maravilhado e pode até dizer: “é tudo muito complexo”. É verdade! O corpo é complexo, mas a vida é simples. O corpo não esgota a vida. É a vida que dá sentido ao corpo. Tem gente que cuida do corpo, mas não valoriza a vida. De que adianta toda beleza num corpo sem vida?
No caso de um funeral, por exemplo. Algumas funerárias oferecem serviços de maquiagem para defuntos, de tal modo que o defunto perde aquele ar amarelado e gélido característico de um corpo sem vida. É possível olhar para o defunto e vê-lo muito bem vestido e até com um ar angelical, afinal de contas todo o defunto é bom. Defuntos podem ser embalsamados, mas é impossível embalsamar a vida. O que dá sentido a vida não é a aparência, mas sim o que há de mais intimo em toda na vida que é a própria vida: o fôlego divino, a chama refulgente, o brilho no olhar. É possível maquiar o corpo, mas é insana a atitude de tentar maquiar a vida. É que as emoções, as lágrimas, removem as máscaras colocadas sob a vida.
Por que as pessoas usam máscaras? A máscara cumpre o papel de esconder do outro uma parte de nós mesmos. Mas a questão é que não usamos máscaras só para os outros. Inconscientemente nós as usamos para nós mesmos. Se não somos o que os outros pensam que somos: bonzinhos, educados, gentis, prestativos, resolvidos, etc. Também não somos o que pensamos que somos: malvados, burros, ignorantes, desajeitados, etc. Quem somos afinal de contas? Usando a linguagem da matemática podemos dizer que na divisão entre o que os outros pensam que somos com o que pensamos que somos existe um resto indivisível, um núcleo duro e inatingível de nós mesmos.É a vida!
O psicólogo que ouve os traumas dos seus pacientes pode achar tudo muito complicado. Mas se ele ficar preso a complexidade da história que lhe é narrada não conseguirá ajudá-los. É preciso fugir da armadilha de buscar algo que está escondido, oculto, deixando que surja o que tem que surgir. O terapeuta não deve ser aquele que investiga, mas aquele que com uma escuta refinada permite o surgimento natural e espontâneo de algo que não está escondido, mas sim que nunca foi percebido.
Ele não explica ou não deveria explicar nada, tendo em vista que toda a explicação já é por si só uma complicação a mais. Na maioria das vezes aquele que explica não leva em consideração o lugar daquele que está recebendo a explicação, e que pode estar pensando: “o que ele sabe sobre a minha vida para querer me ensinar como eu devo ou não viver? Se ele não explica nem mesmo a própria vida, como pode querer explicar a minha?
O que é complexo não é simples. A vida é simples e se queremos vivê-la em sua simplicidade, então precisamos acabar com esse mito de que ela é complexa. Não existe algo que melhor represente a vida do que a respiração. Ninguém vive sem respirar e em condições normais ninguém faz força para respirar. Não existe nada mais simples do que a respiração. Complicado é ficar prestando atenção nela. Ela logo se altera. Tem coisas na vida que não vale a pena prestar atenção. Dá muita confusão. Atrapalha mais do que ajuda.
Preocupação não é uma coisa simples. Quando você se preocupa a vida torna-se complexa e complicada. Uma pessoa preocupada é uma pessoa complexa, quem sabe até mesmo complexada. A preocupação surge como uma tentativa de antecipação do problema. Uma pessoa preocupada tenta antecipar-se aos fatos, aventurando-se a viajar num tempo que ainda não existe que é o amanhã. Avançar no tempo é complicado e complexo. Até porque o Túnel do Tempo só existe na ficção. O mais simples é buscar uma solução pra hoje, deixando a de amanhã, para amanhã. O mais sábio dos homens já disse: “basta cada dia o seu mal”.
O que torna a vida complicada não é a vida em si, mas as escolhas que a vida impõe. Escolher é muito complicado. A neurose pode ser resumida como uma dificuldade em fazer escolhas, ou seja, em decidir. O sujeito neurótico é um sujeito dividido entre uma coisa e outra. Ele pensa: “se eu tomar essa decisão, eu ganho de um lado e perco do outro. Se eu tomar aquela outra eu também ganho de um lado e perco de outro”. Vive, portanto, na dimensão do ditado popular que diz: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. A indecisão é um suplício e um sofrimento para o neurótico.
Mas decidir não é complicado. Complicado é pensar que uma única decisão pode solucionar todos os problemas da vida, como se a vida toda se resumisse e se esgotasse numa única grande decisão. Ledo engano. A vida é o somatório de muitas decisões: uma hoje, outra amanhã, outra depois, e assim sucessivamente até o derradeiro dia,que mesmo sendo o último ainda pode abrigar uma grande decisão, quem sabe a maior de toa a vida.
Sem dúvida que existem decisões e decisões. Uma é a decisão de escolher a roupa para uma cerimônia de casamento e outra é a decisão de escolher a roupa de ir para o trabalho. Existem pessoas que custam a decidir e quando decidem vivem como se não tivessem decidido; dá pra entender? São pessoas que vivem aprisionadas ao passado pensando: “se eu ao invés de ter tomado esta, tivesse tomado aquela outra decisão???” Imagina alguém que casa com uma pessoa, mas vive pensando em como seria o casamento com uma outra.
A vida não é complexa por conta das decisões que precisam ser tomadas. A complexidade da vida fica na conta da indecisão. Não decidir é mais complicado do que decidir. Não decidir é viver carregando um problema para o resto da vida. Só que acumular problemas é complicar o que um dia já foi simples. Matar um leão por dia é melhor e menos arriscado do que matar dois, três, quatro, dez, vinte, num único dia. Imagina se você pensando ter matado todos os leões deixa um vivo e este lhe pegue sorrateiramente? Daí que pior do que matar um leão por dia é não matar nenhum.
A vida é simples. Mas parece que com o tempo ela vai se tornando cada vez mais complicada. Uma criança, por exemplo, vive a vida na sua simplicidade e sem complicações. Mas na medida em que ela vai crescendo e aprendendo as coisas vão se complicando. Quando chega à adolescência e precisa se firmar enquanto pessoa, aí é que fica complicado. Mas se o adolescente ou jovem cometem equívocos em suas decisões, ainda resta a desculpa: "ele é muito novo, inexperiente, ainda tem muito que aprender." Mas quando se chega a vida adulta tudo fica mais complicado. Se um adulto faz uma besteira a colocação impiedosa é: “você já é um adulto e ainda não aprendeu?”.
Na velhice a complicação aumenta por um lado e diminui por outro. O idoso não tem mais a mobilidade da criança, a força do adolescente, a sustentação do adulto. Mas por outro lado tem mais autonomia em sua fala. O idoso pensa: “na altura do campeonato eu não tenho nada a perder, então vou falar o que penso.”. Se alguém não gostar o máximo que pode fazer é dizer: “ele é um idoso e por isso devo respeitá-lo”.
Mas por outro lado o idoso perde um pouco da sua autonomia e passa a viver na dependência de outras pessoas. Depender das pessoas não é complicado. Afinal de contas se somos como uma ilha,o que nos cerca de todos os lados são as pessoas. Precisamos sim uns dos outros. Mas quem sempre viveu de forma auto-suficiente e egoísta é complicado, pois quando precisar de alguém é possível que não haja ninguém para ajudar. De outro modo quem nunca foi acostumado a dar tem muita dificuldade em receber, mesmo que seja a mão de alguém para atravessar uma rua.
O complexo do ser humano é lidar com a sua humanidade. É incrível como alguns detestam a humanidade, caracterizada pela limitação que lhe é inerente, e buscam de forma ávida algo que seja esteja além da sua humanidade. Não é sem propósito que a figura do super-herói faz tanto sucesso. Ainda mais numa sociedade cada vez mais exigente, competitiva e desumanizada como a nossa.
Desmistificar a complexidade da vida tornando-a simples e leve é o melhor caminho para vivê-la em sua plenitude.
Rejeitar a humanidade da vida é rejeitar a própria vida e não existe desgraça maior do que existir sem ter vivido.
Ailton G. Desidério
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