Pular para o conteúdo principal

FRUSTRAÇÃO E SUCESSO


O que tem a frustração a ver com o sucesso? Não seriam duas coisas totalmente opostas? No entanto, a experiência na escuta de alguns relatos e a leitura de alguns textos tem nos mostrado que em alguns casos frustração e sucesso andam de mãos dadas.

Em um dos seus textos Freud comenta sobre uma mulher jovem, muito bem educada, mas que resolve deixar a sua família e aventurar-se pelo mundo a busca do prazer de viver. A família simplesmente a abomina. Com o passar do tempo e com a sua reputação de boa destruída ela enamora-se de um homem, que a leva para a casa e resolve casar legalmente com ela. É justamente neste instante em que a vida desta mulher está por ser reconstituída, inclusive com a aproximação da família que a havia rejeitado, que surgem os sintomas de uma doença mental incurável.

Ainda neste mesmo texto Freud relata a história de um professor que almejava ocupar a posição de mestre com quem iniciara os seus estudos. Depois de alguns anos o professor da cadeira que ele almejava é aposentado e ele é indicado para assumir a posição de titular da cadeira. O que deveria ser motivo de grande júbilo e alegria é tomado é contrastado por um forte sentimento de desvalorização e incapacidade em assumir tal posição, levando-o a um estágio melancólico que o impediu de fato a assumir esta posição (Freud. [1916(1915)].

A pergunta que se estabelece é a seguinte: por que algumas pessoas frustram os bons momentos da sua vida? Isso já aconteceu com você?

Para algumas pessoas quando algum de muito bom acontece é sinal de que algo muito ruim está por acontecer e que elas não devem se alegrar tanto. É a velha história de se precaver contra um sofrimento muito grande que está por vir. E é assim que muitos vão passando pela vida desprezando os bons momentos que a vida confere.

Quantas pessoas estão sofrendo por conta deste sentimento inconsciente que as leva a frustrar os momentos que deveriam ser celebrados com grande alegria e júbilo? É assim que bons relacionamentos acabam antes mesmo de começar, boas oportunidades de ascensão profissional são frustradas, bons negócios não são fechados. Este sentimento de frustração é gerado por um medo de ser feliz. Mas não é a felicidade o bem maior da vida, então por que algumas pessoas a temem?

A frustração, segundo propõe Freud é a primeira condição para a instalação de uma neurose. O neurótico ao mesmo tempo em que quer determinada coisa ele tem medo de ter o objeto do seu desejo. Ele quer ter um carro novo, mas tem medo de que um carro novo ele seja assaltado. Ele ama uma determinada pessoa, mas a trata com desdém, pois tem medo que ela a deixe e que ele sofra com isso. Na verdade o neurótico não gosta de correr riscos, e sem se perceber disso ele sofre por antecipação.

O sofrimento psíquico pode ser visto como um substitutivo de um sentimento de prazer, de satisfação. Como diz Freud neste texto que estamos considerando: “As pessoas adoecem por causa do êxito.” Por que isso acontece? São os intrincados caminhos do desejo no inconsciente, tendo como base o complexo de Édipo, que atua como força repulsiva a toda e qualquer experiência de realização. Na forma consciente o desejo e sua satisfação são tidos como algo ruim, mal.

A frustração cumpre um papel importante na vida. Se aprendemos, crescemos e nos tornamos seres sociáveis isso se deve a frustração. Como seria uma sociedade composta por pessoas sem qualquer tipo de frustração, onde o desejo fosse sempre realizado? Não se trata, por tanto, de buscar a satisfação de todos os desejos custe o que custar.

A frustração impõe alguns limites que são positivos tanto para a vida pessoal, familiar e social. A questão é quando este limite imposto pela frustração é por demais avassalador, impedindo que a pessoa viva e se alegre com o sucesso, com as conquistas da vida. Pior do que isso é quando a frustração opera sobre a vida pessoa levando-a adoecer como forma de inibir um momento de realização e satisfação.

Viver sem experimentar momentos de frustração é impossível. Agora viver frustrado por conta de um medo inconsciente do sucesso é terrível.

Ailton Gonçalves Desidério

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE ATRAÇÃO DO NADA

Certa ocasião, quando participava de um congresso na cidade de Gramado, aproveitei a oportunidade para explorar as belezas daquela região. Foi então que conheci uma das vistas mais impressionantes do Brasil: o cânion Itaimbezinho. Uma paisagem simplesmente deslumbrante. Se você ainda não conhece, vale a pena conhecer. Mas tome cuidado: a altura do Cânion Itaimbezinho é de 720 metros e, como você sabe, o abismo atrai, deixa a gente meio zonzo e... O que existe no abismo para que ele exerça tamanha força de atração sobre as pessoas? Não existe nada. Mas o abismo é um nada que atrai. Como disse Nietzsche: “Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.” O nada, o abismo, tem a ver com a força especulativa e fantasiosa do desejo. O desejo é o canto da sereia que atrai os viajantes incautos. É por sermos seres do desejo que nos aproximamos do abismo. Somos atraídos por esse “nada pleno” que é o desejo — que, em algumas ocasiões, nos coloca em verdadeiras enrascadas...

O INFARTO DA ALMA

Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator, mas sim de vários fatores. Hoje, quero falar da depressão como consequência do infarto da alma — um estrangulamento interior causado pelo represamento das emoções e pelos traumas da vida que não foram devidamente elaborados. Para explicar essa ideia, quero fazer uma analogia com o que conhecemos da medicina. O infarto do miocárdio é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam nas artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca, forma-se um coágulo que interrompe o fluxo de sangue, levando à diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), o que resulta no infarto. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia, há um cardiômetro que marca, em tempo real, o número de pessoas que morrem no Brasil por problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o ...

ANGÚSTIA, MEDO E FOBIAS

Podemos dizer que a angústia é o sentimento de base dos demais sentimentos. No entanto, para chegar à angústia, é preciso superar as barreiras do medo e das fobias. Em geral, esses sentimentos mascaram a angústia. Esta, por sua vez, é um afeto inquietante, que produz muita agitação. Pessoas angustiadas tendem a ser agitadas. É preciso ocupar-se com inúmeras tarefas para não sentir tanto a angústia. Via de regra, uma pessoa tomada pela angústia não sabe falar sobre ela. Algumas tentam descrever o que estão sentindo com o movimento de passar a mão sobre o peito, dizendo: “Estou sentindo um aperto, um nó na garganta, mas não sei descrever.” Essa pressão inquietante, esse sentimento indefinido, esse “nó na garganta” tem nome: angústia. É mais fácil alguém dizer que está com medo do que admitir que está angustiado. O medo tem um motivo aparente. Já na angústia, o motivo é velado, oculto, e precisa ser decifrado. Socialmente, é mais aceitável admitir uma fobia — que, dependendo de qual s...