“Pode olhar! Dê uma espiadinha!” Essa é a expressão usada pelo apresentador Pedro Bial no programa Big Brother que de brother mesmo não tem nada.
Vivemos uma época da predominância do olhar. Da prevalência do estético sobre o ético, onde o que importa é a forma e não o conteúdo. Época do culto ao corpo, que usa cada vez mais o recurso do apelo sensual para atrair o olhar dos incautos e cobiçadores expectadores. Vivemos a época do gozo escópico, ou seja, do prazer de olhar e flertar com a imagem do outro, mesmo que este outro esteja desgraçadamente despedaçado.
Charles Melman diz que “Hoje a questão é exibir. O que se chama de gosto pela proximidade vai tão longe que é preciso exibir tripas, e o interior das tripas, e até o interior do interior. (...) O olhar é, hoje, essa espécie de torturador diante do qual nada pode ser dissimulado. Nosso jornalismo dito de investigação se deleita frequentemente com os caçadores de assuntos escabrosos e com a exibição.” O que chama atenção na telinha não são somente os filmes ou programas sensuais, alguns literalmente pornográficos, mas a exibição de corpos perfurados por balas, destroçados por acidentes ou atos bárbaros. Por incrível que pareça olhar a desgraça do outro também tem sua cota de gozo.
Quem nunca se sentiu incomodado em perceber que está sendo observado por um olhar invasor que se pudesse penetraria no âmbito dos seus próprios pensamentos e sentimentos? Quem nunca se sentiu atraído ou traído por um olhar encantador, acolhedor, romântico, sensual? O fato é que há no olhar uma força sugadora que pode tragar a pessoa olhada, tal qual um redemoinho puxa tudo o que entra em seu campo de força. O olhar do outro pode cegar a pessoa olhada. Dizem que o amor é cego. Tenho lá minhas dúvidas!
Sartre diz que “O ‘ser-visto-pelo-outro’ é a verdade do ‘ver-o-outro’” , e que “O olhar do outro disfarça seus olhos, parece adiantar-se a eles.” Isso significa que “não posso dirigir minha atenção ao olhar sem que, ao mesmo tempo, minha percepção se decomponha e passe a segundo plano.” Uma coisa é o olhar do outro e outra bem diferente é a percepção que se tem a partir desse olhar. Uma coisa é imagem mental formada a partir, por exemplo, de um ruído que se houve a noite – “será um ladrão?”. Outra coisa é o significado desse ruído – “ufa! Foi o vento que balançou a cortina da sala!”.
O olhar do outro é praticamente inevitável. O olhar do outro é despudorado. O outro olha mesmo, e na atual conjuntura é mais do que arriscado agir com arrogância e perguntar: “o que você está olhando?” É preciso saber lidar com o olhar do outro e só confrontá-lo no momento certo, e mesmo assim com muita sabedoria e firmeza.
A grande questão não é propriamente o olhar do outro, mas o que esse olhar suscita no imaginário. Por vezes o outro não está nem aí, mas lá está você querendo chamar a atenção dele tal qual uma criança que chora ou faz uma peraltice para chamar a atenção do papai, da mamãe, ou de ambos, na busca de uma gratificação: “vem cá meu bebezinho!”
O olhar do outro pode ser percebido e buscado como forma de ter aprovação, aceitação, valorização. Só que isso é uma verdadeira armadilha, e das grandes! Rollo May relata em seu livro o testemunho de uma pessoa que lhe disse: “Sou apenas uma coleção de espelhos refletindo o que os outros esperam de mim.” . Viver na expectativa de satisfação do olhar do outro, ou dos outros, é uma tarefa in glória e muito sofrida. Sinceramente, não vale a pena!
Viver aprisionado ao olhar do outro é como querer viver múltiplas vidas de uma única vez. Só que: “Não poder viver senão uma vida é como não viver nunca.” .
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