Desde o início do nosso aprendizado fomos ensinados sobre as virtudes do pensamento. Decartes, tido como o pai do pensamento científico, formulou a seguinte máxima: “penso, logo existo”. Tal formulação baseia-se no seguinte raciocínio: “Se duvido penso”, e se “penso, logo existo”. Para Decartes a dúvida deve ser levada a última instância, se é que tal instância existe.
A dúvida é cruel! Sem dúvida! Ainda mais num momento caracterizado por tantas certezas como este em que vivemos, chamado “pós-moderno”. Uma leitura desse nosso tempo chega a ser no mínimo esquisita: de um lado observamos uma vasta produção de saberes, de certo modo, a partir do postulado cartesiano; do outro o que vemos é uma certeza tão forte que é como se estivéssemos vivendo a era das convicções plenas.
Por que a maioria das pessoas buscam eliminar as dúvidas com certezas, que por vezes não são tão certas assim? É que a dúvida produz inquietação, insegurança e expectativas inquietantes. A certeza, por outro lado, produz o sentimento de estabilidade, segurança, servindo de proteção quanto ao inesperado. Só que uma certeza infundada é pior do que a dúvida cruel. Certeza demais estraga, ou melhor: frustra!
A frustração faz parte da vida. É impossível viver sem se frustrar, mas algumas frustrações bem que poderiam ser relativizadas pela dúvida. Determinados sintomas podem levar ao diagnóstico de uma doença dita incurável, por exemplo. Mas é preciso diferenciar diagnóstico de sentença de morte. O que vem a ser um diagnóstico? Segundo dicionário Aurélio é o “Conhecimento ou determinação de uma doença pelo(s) sintoma(s) e/ou mediante diversos exames (radiológicos, laboratoriais, etc.)”. É preciso frustrar o diagnóstico enquanto verdade última para que a cura se estabeleça.
O diagnóstico de um sintoma físico é diferente do diagnóstico psíquico, muito embora, em alguns casos específicos a distância entre um e outro seja mínima. Um sintoma físico nem sempre é de causa orgânica, pode ser reflexo de uma desarmonia psíquica. Na psicanálise, por exemplo, o sintoma deve ser visto como uma mensagem que clama por decifração, que contem um sentido a ser descoberto não pela imagem de uma ressonância magnética tridimensional, mas pela instalação da pergunta: “o que queres?”. É a dúvida que leva aquele que sofre a buscar um sentido que está além do que ele apresenta como sendo uma simples demanda de cura.
Diagnosticar um sintoma buscando a sua origem no psiquismo não é tarefa fácil. É mais fácil receitar um ansiolítico ou um antidepressivo e chamar o próximo da fila. É mais fácil também indicar alguns exercícios buscando um recondicionamento, ou como está mais na moda, uma reprogramação do psiquismo. A psicanálise não ignora e nem desvaloriza o sintoma e o sofrimento que ele causa. Mas rejeita o reducionismo do sujeito a um amontoado de células nervosas, regidas por sinapses aleatórias, que devem ser controladas por pílulas miraculosas ou auto-controladas pela força do pensamento. Rejeitar não é sinônimo de desrespeitar.
O que uma pessoa que sofre quer é ficar curada do incomodo produzido pelo sintoma, e o quanto mais rápido melhor. A questão, no entanto, é saber manejar o desejo de cura do paciente para que ele, não como paciente, mas como agente, interrogue-se sobre as reais causas do seu sofrimento. É a fala daquele que sofre, na posição de agente impaciente, que deve servir de direção para o tratamento.
A dúvida pode ser cruel, mas você já parou para pensar que algumas convicções são mais cruéis que a dúvida? O que é melhor: a dúvida de ficar ou não curado de uma doença, ou a certeza que determinada enfermidade o levará a morte? Penso que se injetassem uma boa dose de dúvida na veia de alguns pacientes eles continuariam sonhando, lutando e buscando a solução para os seus problemas e dificuldades. A dúvida abre possibilidades; a certeza, em alguns casos, é a tampa do caixão.
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