Pular para o conteúdo principal

MATRIMÔNIO, MANICÔMIO, PANDEMÔNIO, DEMÔNIO


Essa é boa!
Era um sábado a tarde e eu estava de plantão na enfermaria de acolhimento a crise, no hospital psiquiátrico onde estagiava. Não tinha quase nada para fazer a não ser acompanhar e observar os internos, que neste plantão estavam bem calmos. Havia nesta enfermaria uma sala de convivência, onde alguns pacientes passavam o tempo distraindo-se com atividades lúdicas.
Chego nesta sala e logo se aproxima de mim uma velhinha, muito simpática, de cabelos bem branquinhos e diz: “Doutor o meu filho disse que vai pedir a mão da namorada dele em casamento. O senhor acha isso certo?” No que perguntei: “Qual o problema dele pedir a mão da namorada em casamento?” Ela respondeu de pronto: “quando ele nasceu eu perguntei ao médico se ele era perfeito, ou seja, se ele tinha dois olhos, dois ouvidos, duas mãos, dois pés. E o médico disse que sim. Então, perguntei para o meu filho: por que você quer mais uma mão?” Achei engraçado e comecei a rir; ela também esboçou um sorriso em seu rosto enrugado. Mas o pior, ou o melhor, depende do ponto de vista da cada um, estava por vir.
Ela retoma a conversa e solta essa pérola: “Doutor: o senhor não acha que esse negócio de matrimônio, manicômio, pandemônio e demônio é tudo a mesma coisa?” Do riso surge uma gargalhada. Naquela hora era difícil distinguir quem era o paciente e quem era o estagiário. Ainda bem que psiquiatra responsável pelo setor não estava nesse momento.
Passado este episódio fiquei pensando: essa velhinha, tida como louca, é muito esperta! Na verdade, quantos matrimônios podem ser caracterizados como verdadeiros manicômios com dois loucos vivendo em mundos totalmente separados. Casamentos assim são caracterizados pela produção de delírios, com algumas pitadas de ataques histéricos.
Mas outros vivem um casamento parecido com um pandemônio – o neologismo Pandemonium foi criado pelo poeta inglês Milton (1608-1674), no seu livro Paraíso Perdido, para designar o palácio de Satã (Dic. Aurélio). Numa casa assim o tumulto, as brigas e os xingamentos são constantes, com cadeiras e panelas voando por todos os lados. Ter um matrimônio parecido com um pandemônio é viver como o diabo gosta!
Já o matrimônio na sua relação fonética com demônio dispensa comentários: é um inferno!
Dessa história engraçada e louca eu tiro duas lições: A primeira é que no casamento a distância entre o céu e o inferno não é tão grande quanto se imagina. Quem não cultiva um ambiente de harmonia e paz, pode acabar vivendo o inferno na terra. A segunda é a seguinte: esses loucos falam cada coisa!


Ailton G. Desidério

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE ATRAÇÃO DO NADA

Certa ocasião, quando participava de um congresso na cidade de Gramado, aproveitei a oportunidade para explorar as belezas daquela região. Foi então que conheci uma das vistas mais impressionantes do Brasil: o cânion Itaimbezinho. Uma paisagem simplesmente deslumbrante. Se você ainda não conhece, vale a pena conhecer. Mas tome cuidado: a altura do Cânion Itaimbezinho é de 720 metros e, como você sabe, o abismo atrai, deixa a gente meio zonzo e... O que existe no abismo para que ele exerça tamanha força de atração sobre as pessoas? Não existe nada. Mas o abismo é um nada que atrai. Como disse Nietzsche: “Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.” O nada, o abismo, tem a ver com a força especulativa e fantasiosa do desejo. O desejo é o canto da sereia que atrai os viajantes incautos. É por sermos seres do desejo que nos aproximamos do abismo. Somos atraídos por esse “nada pleno” que é o desejo — que, em algumas ocasiões, nos coloca em verdadeiras enrascadas...

O INFARTO DA ALMA

Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator, mas sim de vários fatores. Hoje, quero falar da depressão como consequência do infarto da alma — um estrangulamento interior causado pelo represamento das emoções e pelos traumas da vida que não foram devidamente elaborados. Para explicar essa ideia, quero fazer uma analogia com o que conhecemos da medicina. O infarto do miocárdio é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam nas artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca, forma-se um coágulo que interrompe o fluxo de sangue, levando à diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), o que resulta no infarto. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia, há um cardiômetro que marca, em tempo real, o número de pessoas que morrem no Brasil por problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o ...

ANGÚSTIA, MEDO E FOBIAS

Podemos dizer que a angústia é o sentimento de base dos demais sentimentos. No entanto, para chegar à angústia, é preciso superar as barreiras do medo e das fobias. Em geral, esses sentimentos mascaram a angústia. Esta, por sua vez, é um afeto inquietante, que produz muita agitação. Pessoas angustiadas tendem a ser agitadas. É preciso ocupar-se com inúmeras tarefas para não sentir tanto a angústia. Via de regra, uma pessoa tomada pela angústia não sabe falar sobre ela. Algumas tentam descrever o que estão sentindo com o movimento de passar a mão sobre o peito, dizendo: “Estou sentindo um aperto, um nó na garganta, mas não sei descrever.” Essa pressão inquietante, esse sentimento indefinido, esse “nó na garganta” tem nome: angústia. É mais fácil alguém dizer que está com medo do que admitir que está angustiado. O medo tem um motivo aparente. Já na angústia, o motivo é velado, oculto, e precisa ser decifrado. Socialmente, é mais aceitável admitir uma fobia — que, dependendo de qual s...