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QUEM VAI PAGAR O PATO?


QUEM VAI PAGAR O PATO?

Quem vai pagar o pato eu não sei, mas uma coisa é certa: cada um tem que dar conta do seu pathos. Queiramos ou não somos todos seres patológicos e é por conta disso que em determinados momentos da vida andamos meio desequilibrados, assim como os patos. Você já viu como os patos andam? Andam muito esquisito, não é mesmo?
A palavra grega pathos, de onde vem a palavra paixão, significa: “receber uma impressão, sofrer um tratamento bom ou mau, suportar com paciência, ser castigado”; mas o sentido básico de pathos é: “o que se sofre, o que se sente” (José Luiz Fiorin – “Cadernos de Semiótica Aplicada. Vol. 5.n.2, dezembro de 2007. Usp), de onde vem a palavra patologia.
Paixão e patologias são palavras interligadas entre si. Você já ouviu a música: “Você não vale nada, mas eu gosto de você”? É! Essa mesmo! Tema daquela personagem da novela das oito que você gosta de assistir. Pode ficar tranqüilo! Não é só você que faz isso. Sabe por que ela está fazendo tanto sucesso? Não é só por conta do ritmo gostoso, que nos convida a dançar, mas porque ela toca numa parte sensível de todos nós: a paixão. Se somos seres patológicos é porque somos seres dados a paixão.
Costumo perguntar nos encontros de noivos se eles se amam ou estão apaixonados. Na maioria das vezes a resposta é a seguinte: “nós já estivemos apaixonados, mas agora nós nos amamos”. Justificam: “Paixão é um sentimento infantil, imaturo, prejudicial ao relacionamento, porque suscita ciúmes, brigas, etc. Já o amor é mais consistente, seguro,...”. Tal argumentação revela que para alguns a palavra paixão deveria ser retirada do vocabulário cristão. Esquecem, no entanto, que a Bíblia diz que Elias foi um homem sujeito as mesmas paixões que as nossas (Tiago 5: 17).
Se por um lado a paixão é avassaladora, por outro lado uma vida sem paixão é como um céu sem estrelas, por estar sempre acinzentado. Uma coisa é um dia de chuva, símbolo de uma desavença, de uma briga mesmo; outra bem diferente é viver uma relação fria, sem atração, aconchego, carinho, como se a casa, porque não dizer especificamente, a cama do casal, estivesse sobre as geleiras da Antártida.
Roland Gori, no livro “A lógica da Paixão”, diz: “Dizer-se apaixonado é confessar, sem saber, a disposição para o sofrimento... o determinante da paixão é sempre o mesmo desde que a palavra existe: sofrer. Num primeiro tempo, corporal, o sofrimento designado pela palavra ‘paixão’ passou progressivamente para um sofrimento moral, o da alma.”. É claro que ninguém gosta de sofrer, mas em termos de sofrimento a vida não nos oferece muita escolha. “No mundo tereis aflições...” (João 16:33).
Se estamos falando de paixão não estamos nos referindo a um mero sentimento. Estamos falando da paixão enquanto energia, pulsão, pulsação, emoção, coração, portanto, como uma força que move a vida. A paixão pela vida é de todas as paixões a mais significativa, pois ela é portadora de uma força propulsora que nos leva a superar os obstáculos que insistem em aparecer a nossa frente.
Admitamos ou não somos movidos pela paixão e daí as nossas esquisitices, as nossas pato-logias, ou seja, o nosso jeito claudicante e desconcertado de enfrentar a vida. Tirar a paixão como forma de encontrar o equilíbrio não é a melhor saída. Pior do que o desequilíbrio da paixão é a apatia e insensibilidade da morte.


Ailton G. Desidério

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