Não sei se você já observou, mas na Bíblia, em especial no livro de salmos, vez por outra aparece uma palavra no final de alguns versículos, por vezes colocada entre colchetes, que muitos não entendem o seu significado. Estou falando da palavra selá, no hebraico. Eu inclusive já ouvi algumas leituras bíblicas onde o leitor pronunciou, “selá”, deixando o auditório com aquela interrogação: será que ele agora está falando como o Cebolinha da turma da Mônica? Mas a palavra selá aparece na Bíblia como um sinal e deste modo não é para ser lida, mas sim entendida.
Uma das interpretações para a palavra selá, que aparece setenta e uma vezes nos salmos e também em Habacuque 3, é pausa. Então, ao encontrar esta palavra na Bíblia você deve ter em mente que o livro de salmos era o hinário dos hebreus e que naquele lugar onde a palavra selá aparece o cantor deveria fazer uma pausa. Pra que? Para refletir no que estava cantando e nos pensamentos suscitados a partir daquela mensagem. As pausas para o salmista são pequenos espaços de tempo para a reflexão.
Ao fazer este comentário não é meu objetivo transmitir nenhum conhecimento de música e nem mesmo alimentar a discussão, pra mim já mais do que ultrapassada, entre entoar hinos e cânticos de adoração nos cultos. Se pinço a palavra selá do texto bíblico é para ressaltar a importância de na vida, em especial naqueles momentos em que os nossos sentimentos ficam embolados, ou nos momentos em que nos sentimos atordoados com as pauladas da vida, fazermos uma pausa para reflexão. Dar uma pausa para pensar e reciclar a vida é mais do que uma necessidade é uma questão de saúde.
Existe na psicanálise um conceito importantíssimo que é o da repetição. Nos textos sobre a técnica psicanalítica Freud diz que é comum ouvir o paciente dizer que não lembra de determinadas cenas ou experiências de sua vida. Mas destaca que a experiência que foi aparentemente esquecida aparece na vida do paciente não na forma de lembrança, mas sim como uma atuação. O paciente “reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo.”
Por que razão muitas pessoas evitam as pausas? Simplesmente porque algumas experiências passadas estão associadas a dor, ao sofrimento, e rememorá-las significa mexer na ferida e trazer a memória o que deveria ser desde o inicio esquecido. Nilton Bonder ilustra esta reação contando a seguinte história do rabino Mezeritch: “Um homem, ao levantar o filho após este ter tropeçado e caído, percebeu que havia um espinho no pé do menino. Rapidamente, procurou extrair o espinho, sem dar atenção ao choro da criança. Logo após esta experiência, ambos, pai e filho, ficaram temerosos: o pai, pela possibilidade de uma infecção vir a instalar-se no pé do filho; o menino, por ter em algum momento futuro de sua vida de sentir a mesma dor. O pai temia a ferida, o menino temia cura.” (Nilton Bonder – “A arte de se salvar: ensinamentos judaicos sobre o limite do fim e da tristeza.”)
Por vezes ouço algumas pessoas dizendo que fazer terapia é bom porque na terapia elas podem conversar com uma pessoa que a entende. É por isso que sou analista. Pra conversar não precisaria pagar é só procurar um amigo. Na análise o que se busca é construção, o estabelecimento de uma pausa produtiva, objetivando o preenchimento de algumas lacunas da vida, envoltas em dor, e invariavelmente concentradas na infância, a partir das figuras parentais.
Muitas pessoas temem as pausas e assim deixam de extrair as grandes lições que elas podem proporcionar. Ficam agitadas enganando-se com os resultados de uma produtividade improdutiva, até o dia em que forçosamente se verão frente a grande pausa da vida. “Comentava uma amiga: ‘Estou preocupada, pois estou chegando a menopausa’. Ao que respondeu um senhor de idade, a seu lado: ‘Isto não é nada... e eu, que estou diante da grande pausa?”
Ailton Gonçalves Desidério
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