O desejo na sua forma mais pura, desejo sexual, é louco, ou seja, desprovido de qualquer regra, qualquer lei; ele quer porque quer e pronto! Se uns lutaram ferrenhamente contra ele, dentre os quais destacamos: Ap. Paulo, Sto. Agostinho, Martinho Lutero e outros; outros tomaram o caminho inverso e liberaram geral, como Sade. Uns pregam a repressão. Outros a liberação. Penso que ambos estão errados. Quando o assunto é desejo toda a cautela é pouca.
Sublimação é a palavra enigmática psicanaliticamente falando para expressar uma boa saída para o desejo. Sublimação é o desejo capturado por uma boa causa, um bom ideal, um objetivo nobre de vida. Mahatma Ghandi, Martin Luther King, Viktor Frankl, Madre Tereza de Cálcuta, Nelson Mandela, dentre outros, se destacaram, no meu ponto de vista, como pessoas que encontram uma boa saída para o desejo: a sublimação.
Enganam-se quadradamente os que pensam que a liberação do desejo é a melhor saída para uma vida plena de sentido. Uma vida feliz. O libera geral está longe de ser a máxima da felicidade plena. Você já observou como alguns dos que adotaram a máxima do libera geral tiveram um fim trágico? Elis Regina, Cazuza, Cássia Eller, Maikon Jackson, e outros. Não estou fazendo nenhum juízo e nem adotando uma atitude condenatória para tais pessoas que se destacaram no meio artístico. Só estou dando exemplos.
O desejo, seja ele qual for, é amoral na sua essência. É que o desejo elucubrado não é passível de julgamento, pelo menos do meio social. Um exemplo fictício e portanto desprovido de qualquer senso de realidade. Imagine se as ondas eletromagnéticas do nosso desejo causassem interferência com o sinal de vídeo, a partir de uma cena erótica, e com isso a cena concebida em nossa mente aparecesse na televisão, que você assiste com sua esposa ou esposo. Imagine se isso acontecesse numa sala de cinema onde você assiste um filme com sua namorada ou namorado. Que vergonha! Que viagem!
O juízo: normal versus anormal, só se estabelece no desvelamento do desejo. É assim que lamentavelmente alguns que vestem uma roupa de santidade são na verdade verdadeiros santos do pau oco. Lobos vestidos de ovelhas. A atitude mais comum é acusar essas pessoas de hipócritas, fingidas, moralistas, etc. Mas no fundo todos nós não somos assim? Ou será que existe alguém que tenha pleno domínio sobre os seus pensamentos, sobre os seus desejos? Se tem que lance a primeira pedra.
O homem é livre para desejar o que quiser, mas não é livre para sair por aí realizando os seus desejos. Essa é uma das grandes confusões estabelecidas hoje em dia, onde a máxima pregada é: “libera geral!”. Parafraseando um amigo meu: “não é bem assim que a banda toca!”. Em relação ao desejo é preciso ter cautela. Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. É preciso manter “a porta entre aberta” como forma de permitir a realização de alguns desejos e a repressão de outros.
Para muitos a saída mais correta de se lidar com o desejo é a repressão. Mas tudo o que é reprimido por longo tempo pode um dia explodir. Um dia a casa cai. É assim que alguns relacionamentos de longa data acabam indo por água abaixo por conta do rompimento da barreira construída para a contenção do desejo e nesse caso não cabe o refão da música entoada por Roberto Carlos que diz: "se chorei ou se sorri o importante é que emoções eu vivi."
Uma outra maneira incorreta de se lidar com o desejo é negando a sua existência. Mas filosoficamente falando negar é uma maneira de admitir a existência de algo. Quem nega, nega alguma coisa. Desejo negado é desejo fortalecido e uma coisa é certa: na queda de braço com o desejo ele sempre ganha, mesmo que seja pela via do adoecimento.
É preciso admitir o desejo como forma de esvaziá-lo de sua plenitude inquietante. Tal reconhecimento, no entanto, não se dá por um via tão simples. Ninguém reconhece o seu desejo sem pagar a sua cota de dor e sofrimento. Daí que para muitos a melhor saída é a que propõe a medicalização do desejo, através dos anestésicos inibidores dos sintomas de ansiedade, angústia, depressão e fobias. O efeito colateral é eliminação não do desejo, mas do estímulo da vida pela via da dependência de doses cada vez maiores. Tratar o desejo pela via medicamentosa é jogar a água da bacia com o bebê que está dentro fora.
O que faço com o desejo? Se não quero desejar mesmo assim ele aparece, tal qual um fantasma numa noite escura. Se o libero ele retorna pedindo "bis". A questão crucial não está entre liberar ou não liberar o desejo. Mas sim em valer-se da força do desejo para a realização da vida. Sem desejo não há vida. Mas a vida não consiste na realização de todos os desejos. Desse modo pense bem antes de assumir a filosofia do “libera geral!”
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