Pular para o conteúdo principal

O QUE EU VI NO HAITI



Diz o ditado que “os que os olhos não vêem o que o coração não sente”. Com o forte terremoto que praticamente devastou o Haiti, no último dia 12 de janeiro, ficamos todos chocados com as notícias e imagens veiculadas pelos meios de comunicação. Imagens fortes, mas que na realidade, ao vivo, como vimos, não refletiam a destruição causada. Era muito pior.

Fui para o Haiti com dois objetivos básicos:

1º) Pastorear os pastores haitianos abalados por terem perdidos familiares e membros de suas igrejas, e por terem visto suas casas e templos transformados em destroços de concreto e vergalhões retorcidos em fração de segundos – segundo o relato de uma irmã que mora em Porto Príncipe o terremoto durou aproximadamente quinze segundos vindo depois estrondos sucessivos das casas e prédios desabando, acompanhados de gritos de desespero vindo de todos os lugares. Dá para imaginar a cena?

Há aproximadamente dois anos atrás recebemos em nossa igreja a visita do Pr. Jonathan. Já naquela época fomos tocados pelo Espírito Santo pela mensagem desafiadora que ele nos trouxe, ao compartilhar sobre as necessidades do Haiti. Vimos tudo com um olhar espiritual e decidimos adotá-lo como missionário, antes mesmo de ser formalizado o convênio com JMM. Louvado seja Deus que a Pib Lins é uma igreja missionária.

Foi com grande alegria que o pastor Jonathan e sua esposa, madame Alessandra, e demais pastores, nos receberam no Haiti num momento em que muitos haitianos estavam simplesmente querendo sair o mais rápido possível daquele país. Nós pastores que ali estávamos (eu como pastor da Pib Lins, Pr. Paulo da IB Central de Duque de Caxias, Pr. Roberto da IB do Farol – Alagoas, Pr. Davi Pina promotor da JMM; liderados pelo Pr. Mayrinkellison, coordenador missionário da JMM) transmitimos àqueles pastores o consolo do Espírito Santo. No primeiro encontro que tivemos com o Pr. Jonathan e esposa as lágrimas foram inevitáveis. Ouvimos com carinho a expressão do Pr. Jonathan: “meu pastor!”.

2º) Servir de companhia ao Pr. Mayrinkellison. Não que ele tenha nos pedido pra ir, mas quando falamos que estávamos prontos para ir ele nos disse que a nossa presença lhe seríamos útil. Vale aqui destacar a espiritualidade, a vibração, a coragem, a liderança firme e encorajadora, e o grande amor pelo povo haitiano, demonstrado pelo Mayrinkellison. Pra ele estar no Haiti era como estar em sua própria casa. Um verdadeiro missionário!

O que vimos no Haiti foi:

Vi uma cidade literalmente destruída. Fica difícil pensar na reconstrução da cidade de Porto Príncipe com tantos destroços. Como retirar os corpos soterrados sob os escombros das casas nas favelas, com a dificuldade natural do acesso? Muito mais do que reconstruída a cidade de Porto Príncipe precisará ser reinventada. Os prédios do combalido governo haitiano foram totalmente destruídos. O pretenso poder de um governo totalmente envolvido com a prática do vodu sucumbiu mediante a manifestação do poder de Deus.

Não estamos dizendo que Deus provocou o terremoto no Haiti, matando aproximadamente duzentas mil pessoas, só para demonstrar o Seu poder. Fizemos questão de destacar em nossas falas que o terremoto não poderia ser visto como castigo de Deus. Até porque, se assim fosse, será que cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Brasília, Nova York, Washington e outras espalhadas pelo mundo já deveriam estar soterradas a muito tempo. Mas entendo que Deus usou esse terremoto no Haiti para sacudir o povo daquele país, em especial o povo de Deus, e para destruir algumas das fortalezas do inimigo.

Vi o Haiti envolvido na prática satânica do vodu. Segundo a história o Haiti alcançou sua independência através de um sacrifício ao deus do vodu o que explica a força dessa prática satânica entre os haitianos, em especial entre os líderes do governo. Segundo um pastor haitiano os principais centros de prática de vodu estavam nos palácios do governo, que foram totalmente destruídos. Quando ouvi isso logo me veio a mente a história de Elias contra os profetas de Baal no monte Carmelo. Quem é deus acima do nosso Deus?

Visitamos um pérestil (como se fosse um centro de macumba nossa cultura), um lugar onde se pratica o vodu. Ouvimos do chefe daquele lugar o relato da prática da zumbificação. Disse o tal chefe que através de alguns ritos as pessoas são dadas como mortas, chegando a ser sepultadas. Mas depois são retiradas do sepulcro passando a viver como zumbis, escravas. Mas ele fez questão de ressaltar que tal feitiço não pega nos crentes sinceros e verdadeiros. Só nos sinceros e verdadeiros. Explica dizendo que quando alguém pede para que ele faça um feitiço para um crente o espírito satânico diz: “esse eu não conheço.”. Glória a Deus!

Oremos por esse homem, chefe do pérestil da cidade de Cabaret, que pasmem já foi professor da escola bíblica dominical e disse que enveredou por esse caminho como forma de ganhar dinheiro. Mas destacou que estava decepcionado com os deuses do vodu por não terem dado a proteção que esperava. O templo onde fazia suas mandingas, onde tinha um caixão como mesa, um caixão de criança, crânios de cabritos e até um crânio humano, ossos humanos que ele usava como se fosse a régua de um professor universitário, foi destruído. Imagina se esse homem se converte ao único Deus vivo, o Rei dos reis, o Senhor dos senhores, aquele que através do sangue do Seu Filho Jesus destruiu todas as obras do diabo?

Eu vi muita gente na rua andando de um lado para o outro, como ovelhas que não tem pastor. Vi o semblante de desespero em alguns rostos, o olhar vago e desiludido em outros. Vi o abatimento de um pastor que nos levou ao que antes do terremoto era o templo da igreja onde reunia aproximadamente duzentas e cinqüenta pessoas. Ele estava abatido, mas não desanimados; perplexo, mas não desesperado (2º Cor. 4: 7,10). Fizemos um culto naquele lugar. As lágrimas foram inevitáveis.

Vi os pastores e missionários sustentados pelas ofertas missionárias que enviamos para JMM, são mais de vinte missionários autóctones, vindo de lugares distantes para um encontro de pastores; onde o Pr. Paulo, um dos componentes da nossa equipe, pregando em espanhol em sendo traduzido para o dialeto crioulo, apresentou uma palavra bíblica de ânimo e conforto. Os pastores haitianos anotavam palavra por palavra.

Vi no olhar dos pastores, dos líderes e dos membros a esperança de um novo Haiti. Com receio de um novo tremor os cultos eram feitos em tendas, o calor era insuportável, a vestimenta impecável, o ânimo e a disposição de louvar e adorar a Deus contagiante. E nós aqui reclamamos do calor e da falta do ar condicionado nos templos! Pr. Jonathan disse que depois do terremoto só em sua igreja mais de setenta pessoas aceitaram a Cristo como Senhor e Salvador. Disse que tem passado o filme Jesus nos acampamentos onde muitas outras pessoas que perderam suas casas estão provisoriamente alojadas. Muitas aceitando a Cristo como Senhor e Salvador.

Vi a alegria do pastor Jonathan por ter recebido as ofertas enviadas por diversas igrejas e irmãos do Brasil. Além de ajudar os pastores que estavam realmente precisando, foi possível comprar um gerador portátil para ser utilizado em sua casa (a geladeira da sua casa do Pr. Jonathan era usada como estante para guardar livros), na igreja, e na projeção do filme Jesus. Doamos todos praticamente toda a roupa que levamos em nossas malas. Pode ter sido pouco frente a tanta necessidade, mas com certeza serviu para suprir algumas das muitas necessidades dos santos.

Vi um extremo senso de solidariedade entre os irmãos haitianos. O pastor Jonathan estava com a esposa na casa do irmão e ainda abrigou mais dezessete irmãos, dentre eles alguns pastores, nesta mesma casa.

Vi o Pr. Jonathan sendo levantado como um líder incansável no socorro aos membros, no consolo as famílias enlutadas, no apoio aos pastores e missionários. Um homem de Deus servindo de referência num país em crise.

Vi a chama de um grande avivamento que se Deus quiser vai varrer todo o Haiti. Um avivamento bíblico com reflexos na vida política, econômica e educacional do povo haitiano. A completar um mês do fatídico terremoto todas as igrejas evangélicas do Haiti marcaram um jejum de três dias: 12,13 e 14 de fevereiro.

Vi o presidente do Haiti conclamando todo o povo para esse jejum. Mesmo que no meio de um sincretismo religioso é a primeira vez que os evangélicos são convocados para orar pelo país. É um grande avanço.

Vi o haitiano lutando pela sobrevivência vendendo o que podia nas grandes feiras livres cercadas de muito lixo e muitos mosquitos.

Vi um trânsito caótico, mas em nenhum momento vi uma briga entre dois motoristas. Eles se entendem no meio de toda a confusão e é comum um dá a vez para o outro.

Vi um povo receptivo a ajuda vinda das mais diversas organizações internacionais, tratando com cortesia os estrangeiros. Não vi e nem tomei conhecimento de nenhum incidente de um haitiano roubando a carteira dos voluntários que andavam pela rua. Com certeza eles são anjinhos, mas para um povo tão carente de tudo poderiam agir agressivamente movidos pelo instinto de sobrevivência. Mas não foi isso o que vi.

Vi pessoas enfiadas nos escombros a procura não de sobreviventes, mas de recursos, comida, água, dinheiro, etc. Algumas com máscaras de proteção por conta do forte cheiro dos cadáveres soterrados em estado de putrefação.

Vi muitos soldados, dos mais variados países, com um destaque para a presença maciça do exército americano, que assumiu o controle do aeroporto e do porto, inclusive com um porta aviões. Pra que isso tudo eu não sei, mas eles estavam lá. É claro que estavam ajudando e muito, mas ouvi alguns relatos em relação a atitude de alguns soldados americanos que entristeceram o meu coração.A brutalidade de um país acostumado com a guerra as vezes prejudica ações humanitárias.

Vi uma receptividade muito forte e um carinho todo especial para com os brasileiros e uma admiração para com os soldados brasileiros. Visitamos a base dos fuzileiros navais e vimos a satisfação do sargento Fernandes, aluno de um dos nossos seminários, em nos receber, juntamente com outros pastores, diáconos e irmãos em Cristo. Entre dez e quinze por cento do contingente brasileiro é formado por servos do Senhor Jesus. Da minha parte foi muito bom ter comido um arroz com feijão que já sentia tanta falta.

Vi que Deus também nos enviou ali para pastorear, mesmo que por pouco tempo, os nossos irmãos que estavam servindo na força de paz da Onu.

Vi no Haiti as lágrimas de um jovem que me deu vontade de descer do ônibus e abraçá-lo. Vi o olhar vago de uma mulher idosa, perdida no meio da multidão, como que procurando o caminho de casa. Vi pessoas aglomeradas vivendo numa condição sub-humana. Vi crianças brincando de basquete com garrafa pet. Chorei com lágrimas e chorei internamente. Foi uma viagem marcante e impactante, em todos os sentidos.

Vi também um sonho de reconstrução de um novo Haiti brotando no coração de alguns líderes evangélicos, dentre eles destaco mais uma vez a liderança do Pr. Jonathan.

Vi as igrejas evangélicas unidas em torno de um objetivo que já está se tornando realidade: a construção de um bairro numa área com um terreno fértil, com uma igreja, um seminário, um centro de capacitação de líderes, um local para receber missionários, pastores e crentes de outras nações, numa bela vista; na cidade de Cabaret, onde a prática do vodu é muito forte. É a semente do que em Nome de Jesus virá a ser uma grande colheita!

Vi uma ação contundente das igrejas evangélicas da República Dominicana apoiando igrejas e pastores do Haiti.

Vi uma tragédia aproximando dois povos que não se relacionavam muito bem. A dor da destruição rompeu a barreira da indiferença e do orgulho. Espero que libere o perdão e toda mágoa do passado. Louvado seja Deus!

O que vi no Haiti, de bom e de ruim, renovou o meu coração. Acendeu ainda mais o meu amor por missões. Vi que o muito que temos feito ainda é muito pouco. Nós podemos e devemos fazer muito mais, sem a necessidade de um novo terremoto para nos convencer disso.

Vi que a denominação Batista pode ter e tem muitos defeitos, mas tem uma característica muito especial: o ardor missionário. Penso que se deixássemos algumas futilidades de lado e nos concentrássemos mais nesse foco a denominação estaria bem melhor do que está hoje.

Vi que o que não queria ter visto: muita dor e sofrimento.

Vi o que precisava ter visto: fé e esperança no meio da tribulação.

Vi o que é ser um missionário num país com tantas dificuldades e louvei a Deus pela vida daqueles que abraçaram esta obra.

Vi que o amor é o melhor remédio para a dor. A esperança o melhor remédio para a desesperança. O sonho o melhor remédio para os momentos de crise.

Vi que a fé é mais forte do que qualquer tremor de terra.

Vi que o justo vive realmente pela fé. Sendo a fé em Deus o principal motivo pelo qual as igrejas do Haiti dão sinal de vigor mesmo frente a tamanha adversidade. Como diz a Bíblia “Os que confiam no Senhor são como o monte de Sião, que não pode ser abalado, mas permanece para sempre.” (Sl. 125: 1).

Foi isso o que vi numa viagem missionária que ficará pra sempre marcada no meu coração.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O INFARTO DA ALMA

Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator. Mas sim de vários fatores. Hoje quero falar da depressão como consequência do infarto da alma, fruto do represamento das emoções e dos traumas da vida que não foram elaborados. Conhecemos da medicina a expressão "infarto do miocárdio" , que é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam no interior das artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca forma-se um coágulo que interrompe o fluxo sanguíneo, levando a diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), gerando o infarto do miocárdio. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia tem um cardiômetro, que marca em tempo real o número de pessoas que vão a óbito no Brasil por conta de problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o infarto do miocárdio é a principal causa de morte no

A FORÇA DE ATRAÇÃO DO NADA

Certa ocasião, quando participava de um congresso na cidade de Gramado, aproveitei a oportunidade para explorar as belezas daquela região. Foi aí que conheci uma das vistas mais lindas do Brasil: o cânion Itaimbezinho. Uma vista simplesmente linda. Se você ainda não conhece, vale a pena conhecer. Mas tome cuidado, a altura do Cânion Itaimbezinho é de 720m e você sabe: o abismo atrai, deixa a gente meio zonzo e... O que existe no abismo para que ele exerça essa força de atração sobre as pessoas? Não existe nada. Mas, o abismo é um nada que atrai. Como disse Nietzsche: "Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você." O nada, o abismo, tem a ver com a força especulativa e fantasiosa do desejo. O desejo é o canto da sereia que atrai os viajantes incautos. É por sermos seres do desejo que nos aproximamos do abismo. Somos atraídos por esse nada pleno que é o desejo, que em algumas ocasiões nos coloca numa verdadeira enrascada. Isso não significa dizer qu

A GOTA D'ÁGUA E A DEPRESSÃO

Coitada da última gota d’água. Quando a caixa d’água transborda a culpa é sempre dela. Daí a expressão: “Essa agora foi a gota d’água que faltava” . E lá vai à coitada da gota d'água levando a culpa das demais gotas d'água que durante muito, muito tempo, foram se acumulando, acumulando, até a fatídica gota d'água cair no copo. Segundo uma tabela da SABESP (Companhia de saneamento básico do estado de São Paulo) um gotejamento lento, produz uma perda estimada de 10 litros de água por dia. Se for médio, 20 litros. Se for rápido, 32 litros. Faça as contas aí e veja o quanto de água pode ser desperdiçada a partir de um pinga-pinga. E quando essa água toda se acumula em qualquer lugar, seja um copo, seja numa caixa d'água, não tem jeito. Um dia vai estourar. Vai transbordar. Quando as emoções "negativas" (uso as aspas porque, desde que as emoções sejam admitidas, elas não podem ser chamadas de negativas) são acumuladas no mundo interior de uma pessoa, são com