Pular para o conteúdo principal

POR QUÊ?


Quando nos deparamos com um quadro tão terrível como o que aconteceu no dia 07 de abril, quando doze crianças foram brutalmente assassinadas e outras gravemente feridas por um psicótico, no bairro de Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, logo vem a nossa mente a pergunta: por que Deus permitiu que isso acontecesse? As respostas são as mais estapafúrdias.

A primeira coisa que quero ressaltar é que nem toda pergunta busca em si uma resposta, em especial as que são feitas em momentos de sofrimento intenso. Nesses casos as perguntas são como portas e janelas que se abrem para a expressão da dor, do desamparo, da angústia. É por isso que a melhor resposta que uma pessoa pode dar para uma outra que está com o seu coração apertado e angustiado pelo sofrimento repentino, perguntando-se sobre a razão da sua dor é o silêncio acolhedor, que alguns chamam de empatia.

Empatia não é como alguns pensam a capacidade de sentir o que o outro está sentindo. Por maior que seja a ressonância com os sentimentos de uma pessoa que sofre, é impossível sentir toda dor e angustia que a outra pessoa está sentindo. Empatia é uma aproximação entre a alma da pessoa que está sofrendo e a alma daquele que está sensibilizado pelo sofrimento dela, e se dispõe a servir de escoadouro, por vezes de ralo, esgoto mesmo, da amargura, do ódio, da raiva, enfim, dos sentimentos misturados e conturbados, que tal qual larvas incandescentes irrompem do seu íntimo.

Para chegar o mais próximo possível do sentimento de uma pessoa que sofre é preciso ficar um bom tempo em silêncio, ouvindo suas queixas e lamúrias. Se algumas pessoas soubessem o quanto o silêncio é terapêutico falariam menos, aconselhariam menos, e consequentemente errariam menos.

Vejamos um exemplo bíblico. Um estudo de caso, como chamam os psicanalistas e psicólogos. Logo após o tsunami que varreu a vida de Jó levando seus filhos, noras, netos, bens e a própria saúde; Jó ficou com chagas espalhadas por todo corpo e recebeu a visita de três amigos: Elifaz, Bildade e Zofar. Em geral falamos muito mal desses homens, mas onde estavam os outros? Amigo que é amigo não some na hora do aperto.

Ao verem o estado miserável de Jó eles choraram, rasgaram os seus mantos e lançaram pó sobre a cabeça. Durante sete dias e sete noites eles ficaram ao lado de Jó sem proferirem uma só palavra. É isso que chamo de silêncio acolhedor. Infelizmente eles não conseguiram sustentar o silêncio por muito tempo e passaram a falar de forma impositiva, o que com certeza só fez aumentar a dor que Jó estava sentindo.

Não é fácil ouvir uma pessoa narrando as suas mazelas, a sua dor, sem se deixar contaminar. Por vezes a fala daquele que sofre se mistura com o conteúdo daquele que escuta e o resultado não é bom, tanto para o que está sofrendo como para aquele se dispõe a ajudar.

Alguns crentes acham que todos os problemas podem ser resolvidos com uma receitinha variada de alguns textos bíblicos, e dizem: “leia o texto tal, depois esse, depois aquele, mais esse”, acrescentando em seguida: “mas faça isso em jejum”. Dá pra imaginar uma pessoa deprimida sendo aconselhada a fazer jejum? Thomas Heimann diz que como crentes precisamos saber que: “Somos vencedores, invencíveis, diz a Bíblia, mas não somos invulneráveis. Não saímos ilesos da vida e das dificuldades.”.

Por que Deus permitiu o sofrimento de Jó? Agora sabemos. Mas Jó não sabia e por conta disso perguntava o tempo todo: por que Senhor? É verdade! Por que Deus fica em silêncio quando mais precisamos Dele? Penso que Deus fica em silêncio porque Ele sabe que as nossas interrogações refletem o nosso desamparo frente aos dramas que enfrentamos na vida, e a necessidade que temos de elaborarmos pela fala a nossa dor, o nosso sofrimento. Deus sabe que quando o questionamos não estamos negando a sua existência, mas sim reconhecendo o quanto somos frágeis e precisamos Dele.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE ATRAÇÃO DO NADA

Certa ocasião, quando participava de um congresso na cidade de Gramado, aproveitei a oportunidade para explorar as belezas daquela região. Foi então que conheci uma das vistas mais impressionantes do Brasil: o cânion Itaimbezinho. Uma paisagem simplesmente deslumbrante. Se você ainda não conhece, vale a pena conhecer. Mas tome cuidado: a altura do Cânion Itaimbezinho é de 720 metros e, como você sabe, o abismo atrai, deixa a gente meio zonzo e... O que existe no abismo para que ele exerça tamanha força de atração sobre as pessoas? Não existe nada. Mas o abismo é um nada que atrai. Como disse Nietzsche: “Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.” O nada, o abismo, tem a ver com a força especulativa e fantasiosa do desejo. O desejo é o canto da sereia que atrai os viajantes incautos. É por sermos seres do desejo que nos aproximamos do abismo. Somos atraídos por esse “nada pleno” que é o desejo — que, em algumas ocasiões, nos coloca em verdadeiras enrascadas...

O INFARTO DA ALMA

Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator, mas sim de vários fatores. Hoje, quero falar da depressão como consequência do infarto da alma — um estrangulamento interior causado pelo represamento das emoções e pelos traumas da vida que não foram devidamente elaborados. Para explicar essa ideia, quero fazer uma analogia com o que conhecemos da medicina. O infarto do miocárdio é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam nas artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca, forma-se um coágulo que interrompe o fluxo de sangue, levando à diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), o que resulta no infarto. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia, há um cardiômetro que marca, em tempo real, o número de pessoas que morrem no Brasil por problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o ...

ANGÚSTIA, MEDO E FOBIAS

Podemos dizer que a angústia é o sentimento de base dos demais sentimentos. No entanto, para chegar à angústia, é preciso superar as barreiras do medo e das fobias. Em geral, esses sentimentos mascaram a angústia. Esta, por sua vez, é um afeto inquietante, que produz muita agitação. Pessoas angustiadas tendem a ser agitadas. É preciso ocupar-se com inúmeras tarefas para não sentir tanto a angústia. Via de regra, uma pessoa tomada pela angústia não sabe falar sobre ela. Algumas tentam descrever o que estão sentindo com o movimento de passar a mão sobre o peito, dizendo: “Estou sentindo um aperto, um nó na garganta, mas não sei descrever.” Essa pressão inquietante, esse sentimento indefinido, esse “nó na garganta” tem nome: angústia. É mais fácil alguém dizer que está com medo do que admitir que está angustiado. O medo tem um motivo aparente. Já na angústia, o motivo é velado, oculto, e precisa ser decifrado. Socialmente, é mais aceitável admitir uma fobia — que, dependendo de qual s...