Pular para o conteúdo principal

A DOR QUE NOS CONSTITUI


A grande utopia da vida é a de vivermos num mundo sem dor, sem guerras, sem sofrimento, sem doenças, curáveis ou incuráveis, sem lágrimas, sem soluços, sem noites de sono perdidas, sem problemas de qualquer espécie, sem mortes; não existe nada mais duro e cruel do que a morte. Como seria bom se isso fosse possível! Mas infelizmente não é. Os contos de fadas: Alice no país das maravilhas, Branca de Neve, Gata Borralheira, a Bela e a Fera, são meras ficções para crianças.

Você já assistiu o filme “A Vida é Bela”. Trata-se de um belo drama que mostra que é possível viver e superar os infortúnios e intempéries da vida, com uma boa dose de criatividade e bom humor. A despeito de tudo a vida pode sim ser bela, depende de cada um. A história não está dada. Destino não existe. Como cantava Geraldo Sodré: “quem sabe faz a hora não espera acontecer.” Se é a dor que constitui a vida somos nós que escrevemos a nossa história e cabe a cada um dar aquele toque que faz com que a vida valha a pena ser vivida.

A dor faz parte da vida e é através dela que somos constituídos. A dor do parto é o símbolo maior da dor que nos constitui. Ela pode ser minimizada, por exemplo, através de uma cesariana, mas não pode ser eliminada. Mas uma é a dor da mãe e outra é a dor do filho. Assim que se corta o cordão umbilical cada um vive a sua dor; ou pelo menos deveria viver. Penso que a dor do bebê é tão intensa quanto a dor da mãe que está dando a luz. Com uma única diferença: o bebê não pode falar: está doendo! Até porque assim que nasce recebe logo uma palmada, como se fosse um “cala boca”.

Toda dor tem lá suas nuances: tem a dor de cabeça fruto de uma enxaqueca e a dor de cabeça fruto de uma pancada, tem a dor do dente que está nascendo e a dor do dente que está careado, tem a dor da despedida e a dor da separação, tem a dor do tapa e a dor da indiferença e rejeição, tem a dor da palavra dura e a dor da traição, tem a dor do corpo e a dor do coração, tem a dor da vida e a dor da morte. As dores são múltiplas. As percepções e as vivências também. Mas o fato é que, se permitirmos as dores da vida forjam o nosso caráter e tem o poder de nos tornar mais humanos, mais sensíveis, mais flexíveis, mais resistentes.

Resiliência é uma palavra que traduz a capacidade que cada pessoa tem de resistir, de suportar a dor. “A palavra resiliência é tomada da física dos materiais. É uma força de resistência ao choque e de recuperação. Significa a capacidade elástica de um material para recobrar sua forma original depois de ter sido submetido a uma pressão deformadora. (...) Para o médico e psicanalista Aldo Melilo, é ‘a capacidade dos seres humanos de superar os efeitos de uma adversidade à qual estão submetidos e, inclusive, de sair fortalecidos da situação.’” (Lothar Carlos Hoch e Susana M. Rocca L. – “Sofrimento, Resiliência e Fé”.
Ninguém gosta de sentir dor. Mas como não é possível viver sem ela de tempos em tempos nos incomode é preciso enfrentar a dor a partir de uma perspectiva mais positiva. Difícil? Sem dúvida! Mas é a única saída para aqueles que não querem se ver aprisionados ao masoquismo da vida. A questão é mais ou menos a seguinte: “se a vida lhe oferece um limão faça uma limonada”. Biblicamente falando é ter a mesma postura que teve o ap. Paulo, quando disse: “Sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” (Rm. 8: 28). É estranho! É esquisito! Mas funciona!

Na vida lidamos com inúmeros espinhos que machucam e causam dor. A fé é a proposta bíblica de enfrentamento e superação da dor. A fé não ignora a dor. Ela enfrenta. A fé não ignora as possibilidades. Busca soluções. A fé é a utopia que nos motiva a enfrentar a dor e viver a vida sem ter medo de ser feliz.

Se a dor constitui a vida é através da fé que conseguimos dobrá-la, vencê-la, superá-la. E de dor em dor, de superação em superação, nos tornamos mais fortes, mais resistentes, mais seguros e porque não dizer mais felizes.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O INFARTO DA ALMA

Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator. Mas sim de vários fatores. Hoje quero falar da depressão como consequência do infarto da alma, fruto do represamento das emoções e dos traumas da vida que não foram elaborados. Conhecemos da medicina a expressão "infarto do miocárdio" , que é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam no interior das artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca forma-se um coágulo que interrompe o fluxo sanguíneo, levando a diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), gerando o infarto do miocárdio. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia tem um cardiômetro, que marca em tempo real o número de pessoas que vão a óbito no Brasil por conta de problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o infarto do miocárdio é a principal causa de morte no
Amor é uma palavra simples e complexa. Simples por ser amplamente utilizada. Complexa porque só tem sentido quando está relacionada a uma outra pessoa. Usado de modo isolado, solto, amor é uma palavra vaga e sem sentido. O amor não existe sozinho. Amor, do verbo amar, só existe quando é conjugado: eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos, vós amais, eles amam. Simples assim. Será? No português usamos a palavra amor para descrever diversas situações, com os mais variados sentidos. No grego usa-se três palavras com significados específicos para a mesma palavra amor no português: ágape - amor divino; philos - amor fraterno; eros - amor apaixonado, sexualizado. É sobre esse tipo de amor, sobre Eros, que quero falar. Farei isso a partir do mito grego entre Eros e Psiquê, como forma de destacar que não existe Eros sem Psiquê. Ou seja, não existe amor sem alma. Antes, porém, julgo importante destacar que eros, de um vem a palavra erotismo; e pornos + graphô, de onde vem a palavra pornografia

A GOTA D'ÁGUA E A DEPRESSÃO

Coitada da última gota d’água. Quando a caixa d’água transborda a culpa é sempre dela. Daí a expressão: “Essa agora foi a gota d’água que faltava” . E lá vai à coitada da gota d'água levando a culpa das demais gotas d'água que durante muito, muito tempo, foram se acumulando, acumulando, até a fatídica gota d'água cair no copo. Segundo uma tabela da SABESP (Companhia de saneamento básico do estado de São Paulo) um gotejamento lento, produz uma perda estimada de 10 litros de água por dia. Se for médio, 20 litros. Se for rápido, 32 litros. Faça as contas aí e veja o quanto de água pode ser desperdiçada a partir de um pinga-pinga. E quando essa água toda se acumula em qualquer lugar, seja um copo, seja numa caixa d'água, não tem jeito. Um dia vai estourar. Vai transbordar. Quando as emoções "negativas" (uso as aspas porque, desde que as emoções sejam admitidas, elas não podem ser chamadas de negativas) são acumuladas no mundo interior de uma pessoa, são com