Decidir não é uma tarefa fácil pra ninguém. Até mesmo quando se trata de algo simples como escolher uma roupa para sair – que o digam alguns namorados, noivos e esposos que esperam horas e horas por suas princesas. Isso já é característico das mulheres e praticamente normal. Não vale a pena se aborrecer. É da natureza delas. Fazer o quê! Mas o que poucos sabem é que a dificuldade de fazer escolhas pode ser característica da estrutura psíquica da neurose obsessiva.
Para algumas pessoas fazer uma escolha é um verdadeiro parto, com muitas dores e contrações. É que ter que escolher entre uma coisa e outra sempre traz o risco de escolher errado, ainda mais com o convite metafórico, hipnótico e distorcido das serpentes de plantão. Mas viver sem ter que tomar decisões é impossível. Se a vida é um bônus o ônus é ter que decidir e arcar com as consequências da decisão tomada. Não tem jeito.
Acontece que para alguns decidir não é somente difícil. É um jogo. Um misancene. Uma estratégia inconsciente de aprisionamento, que se apresenta de forma absurdamente acentuada nas questões mais simples da vida. Essa indecisão que pode ser ilustrada como andar em círculos ou percorrer distâncias enormes sem sair do lugar é altamente estressante, estafante e sofrida. Mas por que a indecisão é uma característica do obsessivo? Porque para o obsessivo as coisas sempre precisam dar certo.
É interessante observar como alguns sintomas doentios são reforçados na sociedade e até mesmo na igreja. Por falar em igreja, vale destacar que os neuróticos obsessivos se dão muito bem com as regras impostas pelo legalismo religioso cristão. Para os neuróticos em geral, mas especialmente para os obsessivos que ainda não foram banhados pela Graça de Deus, sermão bom é aquele em que o pastor ou o sacerdote desce o porrete. O obsessivo fica feliz da vida e diz pra si mesmo: “bate que eu gosto!”.
Mas se a repetição uma ação extenuante uma coisa é certa: o obsessivo é muito resistente psiquicamente falando. Ele pode protelar uma decisão por anos a fio, quem sabe pela vida toda, como forma abafar os pensamentos e desejos mais impuros, com uma aparente capa de bondade e obediência, e continuar vivendo “muito bem obrigado”.
A proposta da religião não está pautada na recompensa pela via da obediência? Mas não é esse também o seu grande equívoco: recompensar os que acertam e castigar os que erram? Não vai aqui nenhum estímulo a rebelião, nem nenhuma propaganda em defesa do liberalismo barato. O que quero ressaltar é a tirania da religião legalista. Como bem disse Caio Fábio, no livro “O Enigma da Graça”: “Quando a Moral é ‘a Mãe de Deus’ os ‘Filhos de Deus’ ficam ‘Órfãos’ na Terra.”
O problema da religião legalista, tal qual uma necropsia, é a frieza em relação a Graça de Deus. Tudo bem que a Graça de Deus não deve ser usada como álibi para as decisões equivocadas da vida (Gl. 5:13). Mas ela serve de bálsamo para cicatrizar as feridas daqueles que arrependidos reconhecem que um dia decidiram de forma errada. E quem nunca tomou uma decisão errada na vida que atire a primeira pedra.
O esforço e a prudência, para não tomar uma decisão errada, não podem ser usados como justificativas para ficar parado na vida vendo a banda passar. Como diz Fernando Pessoa, no poema “Na véspera de não partir nunca”: “Na véspera de não partir nunca / Ao menos não há que arrumar malas / Nem que fazer planos em papel, / Com acompanhamento involuntário de esquecimentos, / Para o partir ainda livre do dia seguinte. / Não há que fazer nada / Na véspera de não partir nunca...”
Decidir não é fácil. Mas não decidir é bem pior. Como cantava Geraldo Vandré, na música que marcou a resistência a ditadura militar: “Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer”.
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