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NATAL E ANO NOVO: DA ILUSÃO A REALIDADE



Natal é sempre assim: luzes piscando por todos os lugares e lojas lotadas com os ávidos consumidores, que tais quais gafanhotos, saem comprando de tudo, do necessário ao supérfluo.

A festa do ano novo, o réveillon, é outro momento mágico. De repente as pessoas são tomadas por um otimismo, um ânimo, uma esperança, uma disposição, de causar admiração. Pena que toda essa energia e disposição só aparece no final do ano. Já imaginou como tantas coisas seriam diferentes na vida, na família, na igreja, na sociedade, se essa animação permanecesse durante todo o ano e não somente na época do ano novo? Doce ilusão!

A ilusão exerce um papel importante na vida. Sem a ilusão a vida seria uma mesmice, uma chatice mesmo. A ilusão estimula os hormônios do prazer, muito bem representados pelas sempre jovens senhoras dopamina e serotonina. Mas uma é a ilusão fruto do uso das drogas e outra é a ilusão fruto dos pensamentos auto-afirmativos, positivistas e deterministas, muito bem representados pelo sentimento religioso, um outro tipo de droga. Como bem disse o velho Karl Marx “a religião é o ópio do povo”.

Fé e religião não são irmãs. São primas de terceiro grau. É que a fé liberta e a religião aprisiona. A fé, como bem diz a Bíblia é “o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.”(Hebreus 11:1). A fé transcende a realidade. A religião ignora a realidade criando uma outra onde tudo é obsessivamente perfeito, prendendo o praticante em seu mundinho particular repleto de ilusões. A fé renova. A religião envelhece.

Na véspera do ano novo muitas pessoas, inclusive crentes, dizem: “no próximo ano vou ser melhor pai, filho, esposo, esposa, aluno, crente, trabalhador, chefe, etc”. Que assim seja! Mas por que deixar para amanhã o que pode ser feito hoje, não é mesmo? Por que fazer as pessoas que passaram o ano todo orando e torcendo por uma mudança esperarem mais, mesmo que por uns dias ou algumas horas? Será que elas vão aguentar? É que pra quem está quase no limite esperar um pouco mais é como esperar uma eternidade.

A dura realidade do Natal é que Jesus nasceu numa estrebaria porque não havia lugar nas estalagens. Se fosse hoje Maria teria dado a luz na rua, como muitas mulheres que vivem peregrinando pelas maternidades da rede pública em busca de uma vaga. Jesus nasceria na rua entre os maltrapilhos, os abandonados, os excluídos, os sem teto, sem terra, sem cidadania, sem tudo. Essa é a dura realidade do Natal que as luzes e os enfeites ofuscam: fome, miséria, dor, sofrimento, desamparo, abandono, solidão, rejeição.

Quando o rei Herodes soube que havia nascido uma criança que colocaria em risco o seu império, ele cometeu uma atrocidade peculiar aos que vivem do poder e para o poder, do dinheiro e em função do dinheiro; ele mandou matar todas as crianças com menos de dois anos. Dá para imaginar a dor das mães, dos pais, das avós, dos avôs, chorando a morte de tantos inocentes? Infelizmente essa ainda é a dura realidade do Natal para muitos que perderam filhos e netos para a violência urbana, violência no trânsito, para as drogas, para a exploração sexual, para os tiranos Herodes que ainda aterrorizam e infernizam a sociedade.

Feliz Ano Novo? Você já reparou quantos desastres acontecem no início do ano, como, por exemplo, o que aconteceu na região serrana do estado do Rio em virtude das chuvas, ocasião em que muitas famílias perderam seus entes queridos e muitas nem puderam sepultar os seus mortos? Se todo esse sofrimento não bastasse vimos com revolta alguns prefeitos, vereadores e comerciantes das regiões afetadas, roubando os recursos que foram doados para atender aqueles que perderam praticamente tudo. Infelizmente a corrupção, o roubo, a falcatrua continuam sendo a dura realidade ano após ano.

Vamos celebrar o Natal e o ano novo? Vamos! Mas sem a ilusão de que tudo mudou ou que vai mudar da água pro vinho, como que num passe de mágica. Vamos celebrar com fé e esperança encarando a dura realidade da vida, do mundo, crendo que é possível melhorar, superar e vencer.

No demais, pra não fugir a regra, um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo pra você e sua família.

Comentários

Unknown disse…
Pastor(procurei seu nome e não achei),sempre tive esse mesmo pensamento então parabinizo-o, gostaria, no entanto, aproveitando a oportunidade de alertá-lo de que a passagem contida no evangelho sobre a terrível matança de crianças nunca existiu(senti um alívio quando soube. Não sei o ano mas a revista "GALILEU" publicou reportagem acerca desse fato. Sugiro que leia. Não fique preso aos escritos da Bíblia, pesquise, estude, procure, questione. A Bíblia é um livro confuso e complexo e não podemos afirmar categoricamente que é a "palavra de Deus". Deus não é dos exércitos e também não é só de Israel. O Deus da Bíblia é vingativo e assassino. Duvida? Não se esqueça que "Deus" exterminou toda a humanidade afogando-a através do dilúvio e para não me estender mais peço que o Sr. leia atentamente SAMUEL 15 e desfrute de momentos "maravilhosos"

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