Eco e Narciso são dois personagens da mitologia grega. A relação entre eles se deve ao fato de que Eco, uma bela ninfa, ficou fortemente apaixonada por Narciso, que era um belo rapaz. Eco era logorréica, ou seja, sofria de uma forte compulsão para falar. Por ter participado de uma trama que tinha por objetivo esconder o relacionamento do esposo de Hera, a esposa do poderoso Zeus, com outras jovens. Por conta disso Eco recebeu um duro castigo: a fala repetitiva, passando a viver como refém da fala dos outros.
Narciso era um jovem muito bonito. Com um corpo sarado, tipo tanquinho, com lindos olhos azuis, cabelos dourados e encaracolados, despertava suspiro de todas as jovens que o cobiçavam. Mas Narciso não se deixava cativar por nenhuma delas. Ele era apaixonado por si mesmo. Era o maior admirador da sua própria imagem, suposta beleza.
Tomada pela maldição lançada por Hera, a maldição da repetição, Eco se refugiou no deserto. Lá ela vê o jovem Narciso e fica ardentemente apaixonada por ele. Mas tendo a fala roubada a ela restava uma única saída: esperar que o Narciso a procurasse. Narciso ouve um barulho que vinha de um arbusto e pergunta: “Há alguém aqui?”. “Aqui” – respondeu Eco. “Vem!” gritou Narciso. “Vem” respondeu Eco. “Por que foges de mim?”, perguntou Narciso. “Por que foges de mim”, respondeu Eco. “Eu não fujo! Vem, vamos nos juntar!” “Juntar!”, respondeu Eco que veio correndo em direção ao belo Narciso.
Ao vê-la tão apaixonada Narciso saiu correndo. Não por conta da feiura da jovem Eco, que também era muito bonita, mas por conta da paixão que nutria por si mesmo. Eco era escrava da repetição. Narciso era escravo da própria imagem, sua suposta beleza.
Decepcionada, desalentada, Eco refugiou-se numa caverna e sem comer e beber definhou até a morte. Após a morte os ossos de Eco misturaram-se com as rochas. Mas a voz dela continuou a ecoar do fundo da caverna. Narciso, por sua vez, cansado da sua solitária peregrinação encontra um lindo e transparente lago onde busca saciar a sua sede. Ao abaixar-se para beber a água contempla o próprio reflexo e fica apaixonado por si mesmo. Tenta abraçar a bela imagem, mas vendo que todas as vezes que se aproximava ela se desfazia, ficou ali, na beira do lago por muitos dias sem comer e sem beber. Triste sina a do jovem Narciso: morreu admirando a própria imagem, suposta beleza.
Os mitos era contados pelos gregos como uma tentativa de explicar um fenômeno que eles não conseguiam apreender. O mito de Narciso deu origem ao conceito de narcisismo, que ilustra o perfil psicológico daqueles que tomados por uma construção fantasiosa de si mesmos, fecham-se para os relacionamentos.
O mito da jovem Eco dá conta de um outro perfil que é o daqueles que não conseguem estabelecer uma comunicação efetiva com o outro por conta de uma comunicação repetitiva. Querem falar, mas não sabem como. Sabem o que falar, mas não tem coragem.
O tempo passou. O mundo mudou. Mas a subjetividade humana continua a mesma. Saiu o Olimpo. Entrou a internet. Narciso e Eco hoje estão conectados na internet e fazem parte das redes sociais: facebook, WhatsApp, Instagram, Flickr, e tantas outras. O exibicionismo de Narciso e a vã repetição de Eco surgem como marcas da futilidade virtual desse tempo chamado “pós moderno”. Narciso hoje continua encantado com a própria beleza. Exibindo-se e contemplando a imagem de si mesmo na fria tela do computador. Eco continua buscando em vão um espaço nos grupos e subgrupos das redes sociais, repetindo e ecoando a mesma fala vazia e desprovida de sentido.
A lógica desse novo tempo pode ser definida do seguinte modo: Narciso se exibe nas redes sociais através de imagens extravagantes e por vezes bizarras de si mesmo. Eco busca chamar a atenção através de uma linguagem cada vez mais repetitiva e vazia.
Os Narcisos e Ecos de hoje possuem muitos amigos cadastrados em suas redes sociais. Milhares de amigos. Mas vivem sozinhos, solitários. A triste sorte deles é a de acabarem esquecidos, sem identidade, atrás da tela de alta definição do computador, do tablete ou do smartphone.
Hoje os que se assemelham com Narciso continuam morrendo reféns da própria imagem. Os que se assemelham com Eco continuam morrendo por conta da vã repetição. Morrem engolfados com as próprias palavras.
Ficam as perguntas: a ficção imita a vida ou a vida imita a ficção? Tem que ser assim ou pode ser diferente?
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