Deletar é mais um dos muitos estrangeirismos que incorporamos a nossa língua. Quando usamos o computador para escrevermos um texto, compormos um PowerPoint ou um trabalho qualquer e algo sai errado o processo de deletar, apagar, é um ato simples. Muito simples. Basta apertar a tecla “delete” e pronto: apagou! Depois é só começar de novo sem nenhum trauma de consciência. Não tem sacrifício, sofrimento, angústia, ansiedade, medo, nada disso. Mas deletar, apagar, da nossa mente algo que saiu errado na vida não é uma tarefa fácil. É difícil. Muito difícil.
Frente uma situação desagradável, que machuca a nossa alma, o nosso coração, é comum ouvirmos a seguinte orientação dos conselheiros de plantão: “você precisa esquecer isso.”. Se forem um pouco mais moderninhos dirão: “Deleta!”. Como dizia a minha velha e saudosa mãe, que durante muitos anos conviveu com uma lembrança amarga em sua vida, mas que Graças a Deus conseguiu vencer: “falar é fácil.”. O processo de apagar da nossa memória uma experiência traumática é muito complicado. Isso porque todo o trauma cria um trilhamento, ou seja, rastros e marcas difíceis de serem removidos.
Algumas pessoas vivem sob uma constante e forte pressão emocional questionando-se o tempo todo: como posso esquecer o mal que me fizeram? Como posso deixar para trás algo que marcou tanto a minha vida? Como posso esquecer uma experiência que eu nunca queria ter tido? Como posso arrancar, apagar, deletar, essa página do livro da minha vida? Questionamentos que aumentam ainda mais o sofrimento daquele que vive amarrado as lembranças de um passado que insiste em se fazer presente. A bem da verdade, passado que ainda não passou não é passado. É presente! Esse é o problema!
Você já observou que as lembranças amargas, as decepções, desilusões, os traumas, são bem mais fortes do que as boas lembranças? Por que valorizamos tanto as experiências ruins, em detrimento das boas experiências que são bem maiores na vida? Existe uma explicação. Lembra do trilhamento que falamos no início? Ele deixa marcas em nossa memória que se constituem em verdadeiros alarmes que são acionados todas as vezes que uma experiência semelhante a ocorrida no passado é vista como uma ameaça no presente. É assim que o medo do passado aprisiona o presente e anula o futuro. Pessoas enclausuradas no passado vivem assustadas, amedrontadas, e por conta disso não conseguem avançar na vida.
É comum ouvirmos de algumas pessoas mais experientes a seguinte expressão: “a minha vida daria um livro”. É possível! Até porque quando nascemos nos deram um nome e alguém registrou num livro em cartório alguns dados da nossa existência, quando nós nem ainda pensávamos nela. Enfim, redigiram a primeira página, o prefácio, e deixaram o resto com a gente. Se não bastasse isso colocaram no nosso colo, ou melhor, na nossa memória, uma história que não escrevemos, como quem diz: “se vira!”. Isso sem contar a palmada de boas vindas. Ô vida! A partir desse momento cada um que se encarregue de pegar papel e a caneta e escrever a sua própria história.
Se lidar com essa história que herdamos e que por vezes nos faz tanto mal não é uma tarefa fácil, lidar com essa história a partir dos nossos equívocos, dos nossos erros, do que fizeram ou deixaram de fazer com a gente, é muito, muito difícil. Voltando a história do livro a grande questão é a seguinte: por que deveríamos escrever um livro com um final infeliz se para ter um final feliz basta romper, apagar, deletar, um passado que insiste em se intrometer no nosso presente? O que precisa ficar bem claro é que nós não somos vítimas da vida, mas sim agentes e promotores dela.
Como sair de um passado que está sempre se atualizando na nossa vida, impedindo-nos de avançar? Só existe uma saída: a fala. Fala que melhora! A palavra é o remédio para alma. Através dela nós não somente tocamos nos pontos obscuros da nossa alma, purgando todo rancor e ressentimento armazenados no nosso coração, como também resignificamos a nossa história dando sentido a dor, ao trauma. Gosto do texto bíblico que diz: “Confessai vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros para serdes curados.” (Tg. 5:16). A fala cura. A Bíblia atesta isso.
Como seria bom se pudéssemos deletar da nossa memória os fatos desagradáveis com a mesma simplicidade que deletamos um arquivo do nosso computador. Mas não é assim que funciona. Diferentemente do computador a nossa memória não está guardada num disco rígido, mas num órgão plasmático e extremamente sensível. Os sentimentos marcam a nossa memória.
No texto “Sobre a memória”, do livro “Pimentas: para provocar um incêndio não é preciso fogo”, do teólogo e psicanalista Rubem Alves, encontramos a seguinte frase: “A memória é por vezes uma maldição”. As vezes é. É que ela insiste em nos lembrar de coisas que daríamos tudo pra esquecer, não é mesmo? Mas ruim com ela, pior sem ela. Ou não?
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