“para seres humanos, não existe vivência, existe apenas convivência. Nós só somos humanos com outros humanos. A nossa humanidade é compartilhada. Ser humano é ser junto.” (Mário Sergio Cortella).
Dizem que a arte da convivência é aceitar o outro como ele é. No entanto, a diferença na relação com o outro é o que também nos assemelha: somos humanos, simplesmente humanos. Eu e o outro não somos diferentes, somos iguais. Somos matéria. Somos corpo. Somos emoção e razão. Somos paixão, pulsão, ilusão. Somos gente.
Somos o que somos por conta do outro: pai, mãe, irmãos, amigos, professores etc. É na relação com os múltiplos outros que somos constituídos, com a possibilidade de nos tornarmos melhores ou piores do que somos. Nossas escolhas ocupam um papel fundamental nesse sentido. Através delas, o eu se distingue do outro.
A convivência do eu com o outro é uma arte com tons de comédia, drama, podendo, inclusive, vir a ser uma tragédia, depende das escolhas que cada um faz. Conviver com o outro não significa aceitar tudo o que o outro faz. A convivência é a arte de tolerar o outro como ele é, com suas diferenças e peculiaridades. É escolher no outro aquilo que nos assemelha e ignorar respeitosamente aquilo que nos diferencia.
A boa convivência não combina com a tirania do eu e muito menos com a tirania do outro. Pode não parecer, mas isso sempre foi um problema. É que alguns tomam o eu como modelo e, a partir dessa convicção equivocada, tentam impor ao outro o seu próprio modelo, a sua própria filosofia de vida. Ninguém aguenta isso. Nem Jesus, o Eu perfeito, agiu dessa maneira! Tirania não combina com convivência.
Deus não nos criou como ilhas, mas como igarapés que alimentam os rios, que, por sua vez, formam os mares. Uma vez no oceano não é mais possível distinguir a água desse ou daquele rio. No oceano, água é agua. No grande oceano da vida nós somos todos iguais. Somos água e barro. Somos vasos que podem guardar desde lindas roseiras até urtigas bravas. Isso depende das sementes que escolhemos ou permitimos deixar no vaso, no nosso eu.
O que todo eu procura no outro é ser aceito. É por isso que, em determinadas ocasiões, o eu se torna alegre, irreverente, extrovertido, um pavão, se assim podemos dizer. Só que o pavão não faz força para ser pavão. Ele existe como pavão. O eu que, na busca da famigerada aceitação, se adultera pra ser o que o outro é fica mais parecido com o personagem fictício chamado Frankenstein, formado pela união de várias partes dos outros, do que com o coitado do pavão.
A aceitação é um jogo. Às vezes conquistamos e às vezes perdemos. Mas o que acontece quando o eu não consegue a aceitação do outro? Alguns se deterioram, explodem, implodem, morrem. No entanto, os mais saudáveis superam a perda e seguem em frente.
A Bíblia diz: “Como o ferro com o ferro se aguça, assim o homem afia o rosto do seu amigo.” (Pv. 27:17). Sabe o que isso significa? Significa que, através de uma boa convivência do eu com o outro, nos tornamos melhores. O outro não tem o poder de determinar quem eu sou, mas ele pode me ajudar a ser melhor do que eu penso que sou.
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parabéns