É possível frente a riqueza da fé bíblica vive-la como se fosse sintoma de uma neurose obsessiva compulsiva, como escreveu Freud em seu texto: “O Futuro de uma Ilusão”? Por que alguns homens da ciência desprezam a fé bíblica e alguns homens de fé desprezam a ciência?
Quando comecei o curso de mestrado em psicologia, com viés psicanalítico, a professora responsável pelo curso fez a seguinte colocação em um encontro de orientação: “Ailton, você não me disse que era pastor!”. A resposta foi imediata: “A senhora não perguntou.”. O silêncio tomou conta da sala onde somente eu e ela estávamos. Subentende-se que se eu tivesse dito que era pastor provavelmente não teria passado no processo seletivo. Mas tudo bem. O mestrado transcorreu bem e ela foi uma excelente orientadora.
É fato que temos muitos crentes sinceros dedicados ao estudo e a pesquisa, que conseguem articular muito bem as questões da fé com as questões relativas a ciência. Na verdade elas não são inimigas. São irmãs. A filosofia assim como a teologia contribuíram para o nascimento da ciência, do método científico. Onde uma termina a outra continua e assim deveriam caminhar juntas e de mãos dadas, num constante exercício dialético.
Mas voltemos a nossa questão inicial: é possível a fé bíblica ser sintoma de uma doença psíquica, por exemplo? Se a fé tem o poder de curar, como considerar que ela também tem o poder de adoecer?
No que diz respeito a fé precisamos separar o joio do trigo, ou seja, precisamos resgatar o sentido da fé bíblica, a luz da Bíblia. Creio que a partir desse ponto, desse exame, é que podemos diferenciar a fé bíblica enquanto sinônimo de saúde da fé não bíblica, muito embora cristã, que produz doença, sofrimento e dor.
A bem da verdade é preciso destacar que nem tudo o que é cristão é bíblico. O cristianismo é uma construção posterior ao período neotestamentário. Dogmas e doutrinas frontalmente antibíblicas foram incorporadas no que conhecemos hoje como cristianismo católico, refletindo no cristianismo evangélico.
Ao correlacionar a fé cristã aos sintomas de uma neurose obsessiva, Freud não estava errado. Estaria se estivesse se referindo a fé bíblica. Mas, por conta da falta de uma experiência transcendental com o Cristo da Bíblia ele só podia falar do que saltava aos seus olhos enquanto pesquisador, ou seja, um homem da ciência. A Bíblia diz que “o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido.” (1º Coríntios 2:15)
A fé pode ser vista como sintoma quando baseada no sentimento de culpa. A culpa é o pano de fundo da neurose obsessiva e os ritos do obsessivo são o sintoma para afastá-lo do sentimento de culpa. Para o obsessivo sempre existe uma coisa que precisa ser feita pra ele conseguir algo, que nem ele mesmo sabe o que é. O obsessivo vive correndo atrás do vento alimentado por seu forte sentimento de culpa.
A culpa é muito explorada no cristianismo. Muitas das mensagens ditas bíblicas são baseadas no sentimento de culpa e é a partir dele que o cristianismo impõe ritos que precisam ser cumpridos, como forma de alívio. Mas esse não é o Evangelho pregado e encarnado por Jesus. Quando Jesus livrou uma mulher adúltera dos seus algozes religiosos, Ele disse: “Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais.” (João 8:10,11).
O Evangelho bíblico não sustenta a culpa como forma de manipulação, como invariavelmente acontece no cristianismo. O Evangelho bíblico eliminou a culpa através da Graça de Cristo. Jesus se fez culpado por nós e isso é tremendamente maravilhoso. A culpa valoriza o erro. A Graça valoriza o perdão. A culpa escraviza. A Graça liberta. A culpa adoece. A Graça cura.
Talvez no próximo texto continue discorrendo sobre esse tema. É que existem outros sintomas da neurose obsessiva que estão muito evidentes na prática religiosa cristã. Mas uma coisa é certa: se a fé não serve para promover a vida, a saúde, a paz, ela não serve pra nada. É um sintoma que precisa ser eliminado com o remédio chamado: Graça de Deus!
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