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DIVAGAÇÕES SOBRE A VIDA: ENQUANTO A MORTE NÃO VEM!


Vamos falar sobre a morte. Vamos falar sobre a vida. A morte não é inimiga da vida. Também não é amiga. É uma realidade. A morte limita a vida. Isso é fato. Mas é através dela que a vida pode ser vida, no sentido pleno da palavra. Quem sabe que vai morrer um dia deveria viver melhor hoje. Na verdade, tem a obrigação de viver melhor hoje. É pensando na realidade da morte que quero propor uma divagação sobre a vida. Não que tenhamos tempo de sobra. É justamente o contrário. Temos falta. Na verdade, a vida deveria ser contada ao contrário: menos um, menos dois, ..., menos sessenta, menos cem, menos cento e um e por aí vai. Pensar na vida como um recurso não renovável é uma maneira de viver melhor, com mais qualidade, com mais prudência, com menos tristeza e mais alegria, com menos covardia e mais coragem, com menos ódio e mais amor. Por que haveríamos de viver mal, reclamando da vida, se um dia não a teremos mais? Por que desprezar em vida as pessoas que amamos se um dia, ela ou nós, sentiremos tanta falta um do outro? Não sei por que, todas as vezes que vamos falar sobre a vida, a morte sempre aparece como se fosse um fantasma. Será porque a morte é um fantasma que vive nos assombrando? Cruz credo! Três batidinhas na madeira? Sinal da cruz? Lamento dizer: não resolve! Deixa a morte para lá e voltemos às divagações sobre a vida. Mas o que é a vida? Às vezes, nós estamos tão acostumados com a vida que acabamos esquecendo o que ela é. Não existe coisa pior na vida do que se acostumar com ela. Quem se acostuma com a vida acaba desperdiçando-a. Respondendo à pergunta “O que é a vossa vida?”, Tiago, o escritor bíblico, diz: “É um vapor que aparece por um pouco e depois se desvanece.” Vapor, neblina, fugacidade. A vida é fugaz. É tão fugaz que, entre a data do nascimento e a data da morte, o que a representa é um hífen colocado nas lápides frias das tumbas dos cemitérios. Lá vem a morte de novo! Por que será que, todas as vezes que queremos falar sobre a vida, a morte sempre aparece como uma intrometida? Voltemos às divagações sobre a vida com um poema de Cora Coralina, que diz: “Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. 'Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.'” Viver é mais do que ter. Viver é doar. É uma pena, uma tristeza, vermos tanta injustiça, violência, guerras, separações por conta da obsessividade do Ter em detrimento do Ser. É justamente por sabermos que iremos morrer um dia que não deveríamos nos preocupar em ter e acumular tantas coisas. Vida que é vida tem a ver com desprendimento, ao contrário da morte, que tem a ver com aprisionamento. Depois da vida, é difícil, praticamente impossível, livrar-se do paletó de madeira. Lá vem a morte de novo! Por que ela não nos deixa? Por que ela sempre nos persegue? O que ela tem contra a vida? Não tem nada. Ela simplesmente existe. Desisto! Não dá para divagar sobre a vida sem ter a morte à espreita. Chego à conclusão de que quem pensa muito sobre a vida vive com medo da morte e acaba esquecendo de viver. Como disse Rubem Alves: “Sábias são as pessoas que sabem viver. Tolo é aquele que, tendo defendido tese sobre barcos e mapas, não sonha com horizontes, não planeja viagens, não imagina portos. Anda sempre em terra firme por medo do naufrágio.” Então, vamos viver a vida do único modo que ela pode ser vivida, ou seja, um dia de cada vez. Até porque, como bem disse Jesus: “Basta cada dia o seu mal.” (Mateus 6:34).

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