Para início de conversa quero dizer que o mal da vida é a própria vida. E todo o movimento neurótico e doentio na vida reside no esforço hercúleo e insano de eliminar “o mal da vida”. Para aqueles que nutrem esse sentimento, promessa é o que não falta no mercado, tanto das indústrias farmacêuticas, com promessas de remédios que curam todos os males e eliminam todas as dores da vida, verdadeiros elixires da juventude; como, sejamos sinceros, as promessas das igrejas industrializadas, empresariais, mercantilistas que prometem o que nem o próprio Jesus Cristo prometeu: vida boa, abastada, sem qualquer vestígio de dor, sofrimento, angústia, medo, desesperança, e por aí vai.
A igreja só é lugar de vida quando ela não nega a vida com o mal estar que a vida comporta. Penso que precisamos urgentemente de uma “desinstitucionalização” da igreja, assim como aconteceu na reforma psiquiátrica com a “desinternação” dos pacientes com transtornos mentais. Precisamos libertar os crentes das prisões, com suas arquiteturas ornamentais e ultramodernas em que se transformaram os templos, para que eles vivam a loucura da fé em Deus (1º Coríntios 1:18) entre os demais mortais.
Os crentes precisam deixar de se comportar como alienígenas, extraterrestres, como seres espirituais superdotados, que possuem uma linguagem que só eles entendem. Precisam sair dos seus espaços hermeticamente fechados, do mundinho medido por metros quadrados, que eles mesmos ajudaram a construir, onde vivem isolados como se estivessem no céu. Precisam deixar as aparições esporádicas dos contatos midiáticas do 3º grau, que causam mais medo do que esperança, fé e alegria.
O mal estar da vida é uma condição da vida incompleta, dividida por seus desejos (Romanos 7:15), que atravessa a todos. Ninguém é espiritual negando a vida. A espiritualidade e a fé em Deus são os recursos que nos ajudam a enfrentar a vida, a lidar com a vida, a transcender a vida, sem, contudo, ignorá-la. A fé não é uma força que nos leva para a caverna. Quando o profeta Elias fugiu pra dentro de uma caverna, por conta das ameaças de Jezabel, ele não estava exercitando a sua fé. Estava com medo mesmo. Ao vê-lo tremendo de medo lá dentro daquela caverna escura, Deus disse para ele: “O que fazes aí?” (1º Reis 19:13).
Não é esta a mesma pergunta que Deus ainda faz quando nos vê amedrontados e encolhidos no fundo de nossas cavernas espirituais e emocionais? A fé em Deus é sempre um convite pra sairmos da nossa caverna, de onde vemos o mundo de modo distorcido, de onde vemos os problemas da vida como verdadeiros dragões cuspidores de fogo. Bem, isso não significa dizer que, ao sairmos da caverna, encontraremos um gatinho miando. A fé não é a ilusão de uma vida fácil, mas a certeza de superação a despeito da nossa fragilidade. É por isso que a Bíblia insiste em dizer: “o justo viverá pela fé” (Hb. 2:4; Rm. 1:17; Gl. 3:11; Hb. 10:38).
Só se vence o mal-estar da vida com fé em Deus, através de Jesus Cristo. Porém, fé e religião não são necessariamente ações complementares. Nem toda pessoa que tem uma religião tem fé. Jesus disse: “Nem todo aquele que diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus.” (Mateus 7:21). O contrário também é verdadeiro: nem todo aquele que tem fé, tem uma religião. Muito embora, a comunhão entre aqueles que professam a mesma fé em Jesus seja algo que não possamos ignorar.
A fé é movida pela esperança. A religião é movida pela medo. No texto “O Mal-Estar na Civilização”, em que Freud fala da religião como uma fuga das vicissitudes da vida, ele diz: “de que nos vale uma vida longa se ela se revela difícil e estéril em alegrias, e tão cheia de desgraças que só a morte é por nós recebida como uma libertação?”
No livro “Mitos e Neuroses”, o psiquiatra cristão Paul Tournier, ao falar sobre “o mal da vida”, cita Henri Ochsenbein, autor do livro “Os companheiros da vida”. Nesse livro, Ochsenbein afirma que: “Todos os homens buscam a vida; em vão experimentamos de tudo para conseguir possuí-la. Experimentamos todo tipo de uniforme, de máscara, de fachada, de ambiente, de costumes, alguns mudam de mulher, de religião e de igreja. Os povos mudam de governo e mudam as instituições... mas este mal misterioso, que nos acompanha tenazmente em todas as mudanças que experimentamos, subsiste inexoravelmente: o mal da vida.”
Observe bem: a vida não é um mal. Mas existe um mal-estar na vida que não podemos ignorar. Precisamos aceitar e encarar o desafio de vivermos a vida com o mal-estar que ela comporta. Perdoe-me por dizer isso: Papai Noel não existe, o mundo não é perfeito; mas a vida é bela mesmo assim!
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