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DEPRESSÃO PODE MATAR, MAS ELA TEM CURA!


A despeito dos vários textos bíblicos que abordam de modo claro episódios depressivos na vida de alguns servos de Deus, como, por exemplo, a narração da profunda depressão do profeta Elias (1 Rs 19), foi só recentemente que a igreja evangélica se deu conta que a depressão é uma doença que exige um tratamento sério. A depressão não tem nada a ver com possessão demoníaca, falta de fé e muito menos com uma frescura por parte da pessoa.

Fico literalmente indignado com o ressurgimento dos falsos ensinos gnósticos no seio da igreja em pleno século XXI, que associam qualquer enfermidade como uma ação demoníaca. Pessoal doido, mal-intencionado, que manipula e distorce as verdades bíblicas, como o texto de Isaías 53, dizendo que crente não pode ficar doente porque Jesus levou sobre si todas as nossas enfermidades.

Se crente não pode ficar doente, então, como explicar as palavras do ap Paulo para o seu filho na fé Timóteo, jovem pastor da igreja de Éfeso, quando ele disse: “Não beba somente água; beba também um pouco de vinho, por causa do seu estômago e das suas constantes enfermidades.” (1 Tm 5.23)? Um dos princípios básicos da hermenêutica bíblia é que a Bíblia não se contradiz. Mas vai dizer isso para uns doidos que existem por aí...

De outro modo, se sentir medo e angústia é sinal de falta de fé e confiança em Deus, então, como entender o texto bíblico que diz: “Então foram a um lugar chamado Getsêmani. Ali, Jesus disse aos seus discípulos: - sentem-se aqui, enquanto eu vou orar. E, levando consigo Pedro, Tiago e João, começou a sentir-se tomado de pavor e angústia. E lhes disse: A minha alma está profundamente triste até a morte;” (Mc 14.32,34)? Como pode o Filho de Deus ter sentido medo e angústia? Mesmo sendo totalmente divino, ao tomar a forma humana Jesus compartilhou dos sentimentos humanos. Costumo dizer que Jesus entende de gente porque Ele se fez gente, como a gente.

Ultimamente temos sido impactados com notícias tristes de pastores das mais variadas denominações: tradicionais, pentecostais e neopentecostais, que praticaram o suicídio. Mas não só pastores que estão praticando o suicídio. Um artigo do colunista Carlos Adriano Ferraz, publicado na coluna “Opinião” do jornal “Gazeta do Povo”, no dia 15/12/18, fala sobre “A falta de sentido na vida e o suicídio entre jovens universitários”. Infelizmente a prática do suicídio está presente em todas as faixas etárias e em todas as classes sociais.

Em relação ao suicídio de pastores – na verdade pastor não se suicida, que pratica o suicídio é um homem ou mulher que exercem o ministério. Parece uma diferença simples, mas não é. Pastor não é nome próprio. Todo pastor tem um nome, uma história, uma família, um endereço e a princípio um rebanho. Nesse caso, vivemos um grande paradigma: ou a igreja, as ovelhas, os líderes, e em especial o próprio pastor ou pastora passam a entender que todos nós não somos um título, mas uma pessoa, ou essa situação tenderá a se agravar. É o que eu penso.

A prática do suicídio tem causado o seguinte questionamento entre crentes e até mesmo entre líderes religiosos: “como pode um pastor praticar o suicídio?”. O que esse tipo de pensamento revela é a sobreposição do título em detrimento da pessoa. A Bíblia fala da história de um homem com muitos títulos, muitas condecorações, que tampava sua lepra escondendo sua lepra atrás de uma bela farda. Estou falando de Naamã, comandante do exército do rei da Síria (2 Rs 5). Penso que alguns pastores tentando esconder suas dores e sofrimentos atrás dos seus belos ternos. Assim como tem muitos crentes incapacitados de ver o homem, ou a mulher, que está por detrás da bela vestimenta dos cultos dominicais.

Só podemos ser qualquer coisa na vida, inclusive pastores e pastoras, porque somos humanos. Até porque, se ignorarmos a nossa humanidade, o que nos resta da vida? Para sermos o que Deus quer que sejamos precisamos de vida. Deus não chamou ninguém para estar fazendo a vontade Dele e morrer por conta disso. O ministério pastoral não mata ninguém, mas a maneira equivocada como alguns homens e mulheres desenvolvem o ministério pastoral, pode gerar doença e até mesmo a morte. Observemos todos a exortação bíblica que diz: “Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos [paixões], ...” (Tg 5.17).

Mas esse pasmo em relação ao suicídio de homens e mulheres que exercem o ministério pastoral é de certo modo revelador, pois:

Primeiro: Mostra um total desconhecimento da depressão enquanto uma doença que precisa ser tratada, assim como tantas outras.

Segundo: Revela um desconhecimento bíblico crasso por parte de muitos crentes, considerando o fato que a Bíblia relata a história de vários servos de Deus que enfrentaram crises depressivas ou algo semelhante, tais como: Elias, Jonas, Jeremias, Davi, Paulo, Pedro e porque não dizer até mesmo o próprio Jesus.

Terceiro: Aponta para o fato de que a igreja tem se tornado um polo consumista, onde a pessoa, na sua totalidade, corpo, alma e espírito, não tem sido valorizada. O que importa é o espírito. Pobre e miserável é o evangelho desencarnado, desossado.

Quarto: Indica uma visão distorcida do ministério pastoral, tendo em vista que alguns pastores se veem como anjos, no sentido literal da palavra e por conta disso acham que podem dar conta de uma agenda superlotada, voando de um lugar para o outro. Pensam também que podem ficar longas horas sem comer, tendo em vista que as coisas “espirituais” são muito mais importantes do que as coisas “materiais”. Sem considerar que alguns se lançam por conta da baixa autoestima fazem das tripas coração por conta de um misero elogio, do tipo: “como ele é dedicado!”. Vale a pena sacrificar o corpo por conta disso?

Quinto: Evidencia a grandiosidade do espírito legalista que impede que crentes sinceros, inclusive e em especial homens e mulheres que atuam no ministério pastoral, admitam que por mais consagrados que sejam ou queiram ser, vivem num corpo marcado e atravessado pelo pecado (Rm 7. 16,24). Escondem suas mazelas por detrás de um elegante terno ou tailleur, assim como o comandante Naamã escondia sua lepra com sua fina farda cheia de medalhas (2 Rs 5). Se pastor sofre calado está mais do que na hora de buscar ajuda especializada para abrir a boca e começar a falar.

Sexto: Indica que a grade dos seminários não dá a devida importância à pessoa, mas a alma. Ensinam grego, hebraico, eclesiologia e falam do aconselhamento pastoral como algo sempre para o outro, e raríssimas vezes como um recurso que o pastor deve usar para si mesmo. O seminarista dificilmente recebe uma atenção mais específica e é pouco incentivado em relação ao cuidado de si. A psicologia não recebe o devido valor na grade curricular porque ainda existe o estigma de ser uma ciência que conspira contra os ensinamentos bíblicos. Por conta disso a mensagem subliminar que se passa é a seguinte: se você tem problemas e precisa de ajuda busque a orientação de Deus, nunca a dos homens.

Somando todas essas razões a muitos outros motivos desse mundo pós moderno, tais como: a impessoalidade da comunicação cada vez mais refém das mídias sociais; a competividade, onde o outro é visto como um obstáculo a ser vencido; o descrédito em relação as instituições, inclusive em relação a igreja; a degradação dos valores éticos e morais, que tem desbastado a vida emocional de muitas pessoas por conta da vertigem piramidal em busca da satisfação dos desejos; a multiplicidade de verdades, que tem causado cada vez mais uma verdadeira sensação de insegurança. Enfim, por conta desses motivos e muitos outros é que a depressão está se constituindo numa grande epidemia do século XXI.

A depressão tem cura, entretanto se não for devidamente tratada ela pode levar a morte por motivos somáticos ou psíquicos, como o suicídio, por conta da falência do corpo (reforço, então, que a depressão tem cura). Por favor, não queiram curar um depressivo penitenciando-o com dosagens cavalares de oração e leitura bíblica. Certo dia ouvi um pastor que passou pela depressão dizer de modo muito enfático: “vocês não entendem o que é depressão. Quando uma pessoa está deprimida ela perde a vontade de tudo, até mesmo de orar, de ler a Bíblia. O depressivo também sofre pela incapacidade de crer em Deus.”.

Ore pelo depressivo, assim como você ora por uma outra pessoa que está doente. Mas, por favor, não tente tratar o depressivo dizendo que por ele ser um crente, um pastor, ele não pode pensar do jeito que está pensando. Tome cuidado para que no afã de ajudar o depressivo você não venha a ser como um dos amigos de Jó.

Fato bíblico bem interessante é quando Elias desejou a própria morte, Deus enviou um anjo ao encontro com a seguinte mensagem: “Levante-se e coma” (1 Rs 19.5). Deus não questionou a fé de Elias, não deu um sermão por Elias alimentar pensamentos de morte e muito menos disse que ele estava endemoninhado.

Uma vez configurada a depressão precisa ser tratada por um psiquiatra, com apoio de um psicólogo. No tratamento psiquiátrico o médico administrará medicamentos buscando reequilibrar a fisiologia do sistema nervoso. Infelizmente ainda existe muito estigma em relação ao tratamento psiquiátrico, em especial por conta da prescrição dos antidepressivos e ansiolíticos, os famosos remédios de tarja preta. Qual o problema? Desde que tomados com orientação médica esses remédios são importantíssimos no tratamento da depressão.

O psicólogo é o profissional que atua no campo da escuta, privilegiando a fala daquele que sofre. A fala cura! O tratamento psicoterápico é de fundamental importância para o tratamento da depressão, tendo em vista que na maioria das vezes a depressão é resultado de um sentimento de base, ou seja, de um trauma, de um conflito interno. Tratar a depressão sem o recurso da psicoterapia é como tentar apagar um incêndio, sem combater o foco.

Por fim, que Deus derrame o refrigério da Graça Dele por todos os que estão vivendo momentos difíceis ou passando por episódio depressivo. Que Deus conceda sabedoria para todos os homens e mulheres, que um dia foram chamados para o ministério pastoral, para que não façam do ministério um peso, uma carga pesada, um fator constituinte da depressão. Desejo também que a igreja de Cristo seja mais humana, mais acolhedora e menos julgadora e intervencionista, que a igreja veja o pastor, a pastora, como homens e mulheres de Deus, mas nunca como um super-homem ou como uma mulher-maravilha. Mesmo sendo salvos nós ainda somos humanos, demasiadamente humanos.

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