A correlação entre essas duas palavras é bem maior do que a maioria das mentes formatadas pelo slogan: "mente desocupada oficina do diabo", podem pensar. De origem latina a palavra negócio (NEGOTIUM), que se refere a transações de compra e venda, é a junção de duas palavras: NEC, um advérbio de negação e OTIUM, que significa: folga, descanso. Negócio, portanto, é a negação do ócio, do descanso e porque não dizer negação do laser, do passeio, do hobby, e por aí vai.
A revolução industrial colocou o homem na fábrica apertando parafusos como se fosse um robô. Agora com a revolução tecnológica o robô ocupou o lugar do homem em boa parte das tarefas. O verbo agora não é mais apertar, mas teclar; o que pode ser feito de qualquer lugar, até mesmo do banheiro: basta ter um smartphone nas mãos.
Era para ter sobrado tempo, mas não sobrou. Na fábrica a sirene sinalizava o fim do expediente, mas com o advento do homework não tem mais sirene e o trabalho pode entrar noite a dentro de modo quase que imperceptível. Ou seja, o trabalho ficou sem limites. A era digital potencializou o negócio ao mesmo tempo que de um modo muito sutil continuou e até acentuou a negação do ócio. Férias? Pode até tirar. Mas ela é facilmente interrompida por uma chamada no celular ou por um aqueles sons que avisam que chegou uma nova mensagem.
O grande negócio da era digital é negar com mais veemência, mas ao mesmo tempo com mais suavidade, o ócio. Será por conta disso que doenças como depressão, síndrome de Burnout, estão aumentando cada vez mais no ambiente de trabalho? Alguns indícios apontam que sim. Pessoas com mais de cinquenta anos cresceram ouvindo que trabalhar faz bem para a saúde. Mas hoje a pressão do trabalho tem tirado a saúde e até mesmo a vida de muitas pessoas. Que negócio é esse?
A revolução industrial trouxe uma novo paradigma em relação ao trabalho, que foi o acúmulo de riqueza a partir do comércio de produtos industrializados das fábricas europeias. Com o surgimento das fábricas o capitalismo pode ser visto como um grande dragão que cospe fogo sobre os desatentos trabalhadores, que precisam manter a indústria funcionando a todo vapor, custe o que custar. Inclusive a vida. Com a revolução industrial sai de cena o escravo e entra o trabalhador. Sai de cena o tutor e entra o supervisor. O que mudou? O lucro!
O problema, no entanto, não foi a revolução industrial, assim como hoje não é a revolução digital. As revoluções existem e sempre existirão. Elas são boas de um lado e ruins de outro. Apontam para um momento de ruptura entre o antigo e o atual. O que alimenta as revoluções? O negócio que entende de modo muito equivocado que para manter-se vivo tem que negar o ócio. É nesse ponto que reside o "x" da questão: é possível manter um negócio desprezando o ócio? É possível harmonizar trabalho e descanso ou a pessoa tem que trabalhar até cansar e não aguentar mais?
Mas vale a pena aniquilar o ócio vendendo o corpo e alma para o diabo, por conta do negócio? Mas o maior negócio da vida, não é a própria vida? E a família? Os filhos? O que cabe a eles é usufruir do patrimônio deixado por uma pessoa que se matou de tanto trabalhar?
O fato é que se o negócio continuar roubando o espaço do ócio, um dia, mais cedo ou mais tarde, em geral sempre é mais cedo do que mais tarde; a mufa pode ficar tão quente, mas tão quente, que num piscar de olhos fica tudo escuro. Esse é o momento que a maior fábrica do universo, o corpo humano, entra em colapso. Como diz o teólogo Anselm Grün, citando o filósofo Byung-Chul Han: "as pessoas adoecem em função do excesso de positividade produtiva, que gera a sociedade de produção e acaba 'produzindo o infarto psíquico' (Han, 20). A produção forçada produz 'a alma esgotada e estressada'".
Se etimologicamente falando negócio é a negação do ócio. É preciso admitir que negar é ao mesmo tempo admitir que o cansaço e a fadiga estão ali denunciando os limites do corpo. O que significa reconhecer a necessidade de abrir espaço para o ócio, como forma de preservar a integridade física e psíquica do corpo. Ócio sem negócio é pura morbidez. Negócio sem ócio é pura insensatez. É preciso conjugar ócio e negócio para que o lucro seja real e não fictício.
Grün diz que "Os romanos definiam o trabalho com 'não ócio', isto é, 'nec-otium' (negócio). Isso não quer dizer que os romanos não trabalhavam. Ainda hoje nos maravilhamos com as suas espantosas realizações na construção urbana e viária bem como na organização do império. Porém, segundo os romanos, o verdadeiro trabalho precisa de ócio para ser produtivo, o que não ocorre trabalhando-se sob pressão." (Grün, Anselm. 2013).
Se o ditado popular diz que quem não trabalha não come. O fato é que quem vive para o trabalho também não come: o negócio não deixa.
Ailton G Desidério
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