No livro O amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, Zygmunt Bauman afirma: "A cidade favorece a mixofobia do mesmo modo e ao mesmo tempo que a mixofilia". Confesso aqui minha ignorância. Pensei: "O que ele está querendo dizer com esse jogo de palavras?" Fui pesquisar e entendi que a mixofilia (amor à mistura, estar junto) é o desejo pela boa convivência entre as pessoas que vivem em sociedade. Já a mixofobia é o medo dessa mistura, dessa convivência. A mixofilia aproxima as pessoas. A mixofobia separa.
Fiquei pensando: vez por outra a igreja é acusada de mixofobia. Mas, do ponto de vista bíblico, não existe uma organização social que mais promova a mixofilia, a mistura entre as pessoas, do que a igreja. Há vários textos bíblicos que comprovam isso. Por exemplo, na carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo diz: "Pois todos quantos em Cristo fostes batizados, de Cristo vos revestistes. Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gálatas 3.27-28).
Aquele que, pela fé em Jesus, passou pela experiência do novo nascimento é incluído na grande família de Deus. Na carta à igreja em Éfeso, Paulo escreve: "Assim, vocês não são mais estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus" (Efésios 2.19). A igreja é uma família onde os componentes, os irmãos, gostam de estar juntos e em comunhão. A igreja sempre foi extremamente relacional. Ela não é mixofóbica.
A questão provocativa que suscito aqui é a seguinte: como ficará a comunhão e o relacionamento entre irmãos pós-pandemia? Digo isso levando em consideração as orientações das autoridades da área da saúde, e até mesmo das autoridades governamentais, de que a volta de qualquer evento, inclusive dos cultos, só deve acontecer obedecendo ao distanciamento de aproximadamente 1,5 metro entre as pessoas.
Racionalmente falando, é uma questão fácil de ser resolvida. Basta a igreja limitar o número de pessoas de acordo com a capacidade do auditório, do santuário, do espaço utilizado para o culto. O que, por sua vez, implicará na realização de mais cultos dominicais. Tranquilo! Resolvido! Mas vamos às provocações:
E se o santuário estiver com o número de participantes esgotado para aquele culto e chegar um visitante, uma família, uma pessoa precisando e querendo ouvir a Palavra de Deus? Como os introdutores e diáconos deverão agir? Será que serão orientados a barrar essa pessoa, do mesmo modo que os seguranças das salas de teatro e de cinema fazem, dizendo: "A lotação está esgotada. Agora só na próxima sessão"? Só que, em se tratando de um culto, a "próxima sessão", ou seja, o próximo culto, pode ser apenas na outra semana.
Se a igreja agir dessa maneira, ela não estará praticando mixofobia? Estará evitando que as pessoas se unam para adorar e buscar a Deus?
Suponhamos que os introdutores, movidos pela emoção ou até mesmo por um sentimento espiritual, abram uma exceção e permitam a entrada do visitante, acomodando-o um pouco mais próximo de outro irmão da igreja (uns 70 cm, por exemplo). Será que esse irmão, ou irmã, que estava "protegido" pelo distanciamento "seguro", vai se levantar e ir embora por conta dessa aproximação "contagiosa"? Só estou provocando. Gosto de fazer isso.
Nesses trinta e três anos ininterruptos de ministério pastoral, já vi membros da igreja se levantando e indo embora no meio do culto por conta de uma pessoa malvestida, por vezes malcheirosa, que se sentou ao lado deles. Será que agora, mesmo que seja uma pessoa bem-vestida, mas sendo colocada um pouco mais próxima, esses episódios se repetirão com mais frequência?
Enfim, seja qual for a solução que cada igreja adotar, ela precisará levar em conta não somente o bom senso, mas também, e acima de tudo, o fator espiritual. Ou não?
Mais uma provocação: suponhamos que os espaços entre as pessoas sejam rigorosamente obedecidos, mas que um irmão que esteja do outro lado do santuário comece a espirrar por conta de uma rinite alérgica. Será que esse episódio vai criar algum tipo de desassossego durante o culto, ao ponto de fazer com que alguns irmãos se retirem?
Só mais uma provocação. A última. Prometo. Suponhamos que a igreja tome todas as medidas e as cumpra à risca — o que, em particular, acho muito difícil. Será que, mesmo assim, alguns irmãos vão se "aventurar" a sair de casa para que possam ficar num ambiente fechado, enquanto poderiam permanecer isolados e "protegidos", "assistindo" ao culto do sofá de casa?
Dizem que, para criar um hábito, é preciso repetir a mesma ação por pelo menos 21 dias. Será que esses sessenta dias sem a realização dos cultos congregacionais foram suficientes para criar um novo hábito de cultuar? Tipo: cada um na sua casa e que Deus seja com todos, amém?
Que a igreja vai ter que se reinventar, isso vai. Mas qual será o sentimento que vai reinar, que vai dominar o coração dos crentes em relação aos cultos congregacionais daqui para frente: o da mixofilia ou o da mixofobia? Eis a questão. Quem viver verá.
Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator, mas sim de vários fatores. Hoje, quero falar da depressão como consequência do infarto da alma — um estrangulamento interior causado pelo represamento das emoções e pelos traumas da vida que não foram devidamente elaborados. Para explicar essa ideia, quero fazer uma analogia com o que conhecemos da medicina. O infarto do miocárdio é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam nas artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca, forma-se um coágulo que interrompe o fluxo de sangue, levando à diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), o que resulta no infarto. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia, há um cardiômetro que marca, em tempo real, o número de pessoas que morrem no Brasil por problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o ...
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