Fala sério! Às vezes, a vida parece ser muito boa. Mas tem horas, tem dias — as mulheres que sofrem com a famigerada TPM que o digam — em que ela parece uma droga. Em momentos assim, não é incomum ouvirmos ou falarmos: “Que droga de vida!”. Mas que “droga de vida” é esta, e que tipo de droga você está usando para lidar com essa dor, com esse sofrimento?
Seria uma droga alucinógena, que interfere no sistema nervoso central e altera a percepção das coisas, dos fatos? Seria a droga da ilusão — a religião, por exemplo — que distorce a imagem da vida, levando alguns a acreditarem que é possível viver acima do bem e do mal, ou ter o céu na terra? Seria um psicofármaco de última geração, que anestesia a dor, mas não resolve a causa da dor? Que droga na vida pode eliminar o sentimento que leva uma pessoa a dizer: “Que droga de vida é esta que eu estou levando?”?
Não podemos, ou não deveríamos, definir a vida a partir de uma moldura de retrato. A vida não é um retrato. A vida é um filme, com um enredo que às vezes parece um drama, um suspense, uma história de terror ou um romance hollywoodiano. Se a vida pode ser comparada a um filme, somos nós que escrevemos o enredo. Na verdade, alguns estão entregando o roteiro da própria vida nas mãos de outra pessoa, e chegam até a dizer: “Eu não posso viver sem ele (a)”.
A vida não é uma droga, por mais que em alguns momentos pareça ser. Independentemente do momento que possamos estar vivendo, e que nos leve a dizer: “Que droga de vida!”, o fato é que, como bem cantava o saudoso poeta Gonzaguinha, todos nós deveríamos viver sem vergonha de ser feliz. Cantar (e cantar e cantar), conservando aquele sentimento gostoso de sempre ser um eterno aprendiz.
Que a vida deveria ser melhor? Disso não duvidamos. Mas isso não deveria ser motivo para deixar de exaltar a vida, cantando, cantando e cantando: “é bonita, é bonita e é bonita”. Nesse caso, a repetição é fruto de uma convicção que não podemos perder, independentemente do problema ou da dificuldade que estejamos enfrentando.
A vida é composta de fases boas e ruins. Não tem jeito. É assim que funciona. O poeta Francisco Otaviano deixou isso bem claro no poema “Ilusão da Vida”, em que diz:
“Quem passou pela vida em branca nuvem /
E em plácido repouso adormeceu, /
Quem não sentiu o frio da desgraça, /
Quem passou pela vida e não sofreu, /
Foi espectro de homem, e não homem, /
Só passou pela vida, não viveu.”
Em geral, quando a fase é boa, não damos muito valor. Alguns até dizem: “Está muito bom para ser verdade”. Mas quando a fase é ruim... logo surge aquele sentimento: “Eu sabia que não daria certo”. O filósofo Franz Kafka exemplificou esse sentimento dizendo: “Há esperanças, só não para nós.”
Rubem Alves, filósofo, psicanalista e escritor, disse: “Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses.” A metamorfose é constituída de fases. A vida é uma metamorfose com muitas fases — fases boas e ruins. O que fazer quando a fase é ruim? É preciso esgotá-la, cumprindo e passando por todas as etapas da dor e do sofrimento, com fé e esperança.
É preciso ter um ponto e uma vista: um ponto de vista. Ou seja, uma nova forma de ver o que está cristalizado à nossa frente. Dizem que um ponto de vista é tão somente um ponto dentre muitos outros pontos. Não é verdade! Para cada ponto de vista existe um detalhe que faz toda a diferença. Como encontrar o melhor ponto de vista? Buscando ver a cena por vários ângulos, como forma de ter uma melhor definição do que está colocado diante de nós.
Mas cabe uma observação: não encontramos o melhor ponto de vista a partir de um somatório de todos os pontos, como um cálculo probabilístico. O que mata a probabilidade é que sempre existe algo da ordem do imprevisível, do imponderável, que, quando aparece, joga todos os cálculos para o alto. O que mata uma pessoa que vive uma fase ruim, presa aos cálculos probabilísticos — tipo: “Você tem tantos meses de vida” — é tomar a probabilidade como verdade última, esquecendo, como bem diz o ditado popular, “que toda regra tem uma exceção”.
Se a sua vida está uma droga, você tem todo o direito de dizer: “Minha vida está uma droga!”. Qual o problema em assumir isso? Nenhum! Pior é ficar lutando contra a realidade. Ou seja, fazendo das tripas coração para disfarçar uma fase ruim, dando uma de durão, ou uma de durona. Esse negócio de encobrir a dor nunca dá certo. Só piora.
Sem dúvida, existe toda uma subjetividade positivista construída para disfarçarmos as fases ruins. Freud disse: “Somos feitos de carne, mas temos que viver como se fôssemos de ferro.” Será?
A vida não é uma droga. Mas muitas pessoas se entopem de drogas quando vivem uma fase ruim. Drogas que anestesiam o sofrimento, mas não escoam o sentimento. O teólogo e filósofo Anselm Grün diz que “Os sentimentos têm sua influência sobre o corpo. A alegria faz bem para o corpo. E quem cede espaço demais para as tristezas de seu coração prejudica seu corpo. Uma mente triste acaba com o corpo. ‘Resseca os membros’, diz uma tradução alemã da Bíblia.”
O que deve ser feito quando a vida está uma droga?
1.º) Aceite;
2.º) Busque ajuda;
3.º) Fale o que você está sentindo;
4.º) Diga para você mesmo: “Vai passar!”;
5.º) Creia nisso.
Certa ocasião, quando participava de um congresso na cidade de Gramado, aproveitei a oportunidade para explorar as belezas daquela região. Foi então que conheci uma das vistas mais impressionantes do Brasil: o cânion Itaimbezinho. Uma paisagem simplesmente deslumbrante. Se você ainda não conhece, vale a pena conhecer. Mas tome cuidado: a altura do Cânion Itaimbezinho é de 720 metros e, como você sabe, o abismo atrai, deixa a gente meio zonzo e... O que existe no abismo para que ele exerça tamanha força de atração sobre as pessoas? Não existe nada. Mas o abismo é um nada que atrai. Como disse Nietzsche: “Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.” O nada, o abismo, tem a ver com a força especulativa e fantasiosa do desejo. O desejo é o canto da sereia que atrai os viajantes incautos. É por sermos seres do desejo que nos aproximamos do abismo. Somos atraídos por esse “nada pleno” que é o desejo — que, em algumas ocasiões, nos coloca em verdadeiras enrascadas...
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