Pular para o conteúdo principal

ESTÁ COM MEDO? TUDO BEM!

O medo é um dos sentimentos mais comuns da vida. Ter medo é normal e sinal de saúde. O medo pode ser visto como um sensor que indica que há algo fora dos parâmetros normais, ameaçando o bom funcionamento do sistema. Ignorar os sinais dos sensores é uma das maiores imprudências que um técnico, engenheiro ou gestor pode cometer. Quantos acidentes poderiam ser evitados, quantas vidas poupadas, se déssemos mais atenção aos sinais. O rompimento das barragens de Mariana e de Brumadinho são exemplos claros disso. O sensor pode estar alterado, enguiçado, sinalizando um risco inexistente? Pode. Mas não custa nada verificar. Melhor dizendo: custa, sim, mas é melhor pagar para verificar do que pagar para ver o que vai acontecer. Vamos parar de falar mal do medo. Vamos parar de demonizar o medo. O medo existe. O medo é bom. O medo é um sinalizador. E a coragem? O que dizer sobre ela? Diante de situações que causam medo e espanto, é comum ouvirmos de algumas pessoas medrosas, que fingem ser corajosas: “Não tenha medo! Coragem!”. Como não ter medo se o problema está ali, a um palmo do meu nariz, bem na frente da máscara que usamos no rosto? O primeiro passo para superar o medo é reconhecer que ele existe. Desconheço outro caminho. Mas, voltando à coragem: quem disse que quem tem medo não tem coragem? Ou, de forma análoga, que quem tem coragem não sente medo? Nelson Mandela, grande ativista e líder político — desses que infelizmente surgem raramente e fazem uma falta terrível à humanidade — afirmou: “Aprendi que a coragem não é a ausência do medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que conquista esse medo”. O medo é normal. Mas a cultura do medo é anormal e doentia. E é aqui que mora o perigo. É por meio da cultura do medo que pessoas crédulas e bem-intencionadas são manipuladas. A partir dela, entregam a gestão da própria vida aos “falsos corajosos”, os “pseudos resolvidos”. É a partir da cultura do medo que se constroem deuses, totens, tabus — e se oferecem sacrifícios buscando proteção contra os medos da vida. A cultura do medo não é um acaso. É uma construção. Seu objetivo é a manipulação das massas. E ela se instala de forma progressiva e quase imperceptível, por meio de uma verdade que se contrapõe a outra. Ou seja, é na fenda da dúvida que a cultura do medo vai inoculando seu veneno e amortecendo a mente das pessoas, abrindo uma grande e pavimentada estrada chamada “Avenida da Manipulação das Massas”. O medo não é um sentimento que surge do nada. O medo precisa de um objeto que cause temor. É por isso que uma pessoa com medo de baratas grita espalhafatosamente ao vê-las. Ou seja, para sentir medo é preciso haver algo concreto. Se não há, então não é medo. É fobia — que é bem pior. Seja medo ou fobia, não quero entrar aqui em uma discussão semântica, psicológica, teológica ou filosófica. Quero apenas usar um exemplo atual: a pandemia da Covid-19. O vírus existe e, em alguns casos, é letal. Isso é fato. Diante dessa realidade concreta, o medo de contaminação é natural. Dizer “não tenha medo” é ignorância. Mas o que temos visto é que esse medo tem alcançado proporções de uma grande fobia social. Pessoas trancadas em casa, temendo que o vírus entre pela fresta da janela, não é normal. Pessoas com medo de ter contato com os próprios familiares também não é normal. Trata-se da mais pura instalação da fobia social. Mas quem promove isso? A mídia tem desempenhado papel central, disseminando o medo e transformando-o em fobia social. A mídia vive do medo. Como diz o slogan: “Notícia boa não vende”. Quanto pior a notícia, melhor para a mídia. Mas a mídia só oferece o que as pessoas gostam de consumir. Se ninguém gostasse de filmes de terror, eles não seriam produzidos. Se são, é porque têm mercado. Por incrível que pareça, o mercado do medo sempre foi promissor. O problema, portanto, não está na mídia, mas nos consumidores impregnados pela cultura do medo. A mídia é isenta? Só quem acredita em contos de fadas pensa assim. Independentemente do sistema político, a mídia nunca foi isenta. Não existe isenção no capitalismo, tampouco no comunismo. O que existe é uma produção de subjetividade com o objetivo de instalar a fobia social como forma de manipulação das massas. Sempre foi, e sempre será. Para que a fobia social funcione, ela precisa de uma outra classe muito importante: os políticos. A maioria dos políticos são fantoches, concubinas, prostitutos e prostitutas do sistema econômico. Com uma diferença: a prostituta vende o corpo que é dela; os políticos prostituídos vendem o corpo que nunca foi deles — o Estado. Não interprete minhas palavras como negação da realidade. O vírus existe. A pandemia está aí. É normal ter medo da contaminação, da infecção, de perder a vida. Isso não é ruim. É bom. Quem tem medo, se cuida. O que não se justifica é a fobia social. Ela é doentia. Aterrorizante. Precisamos ter em mente que, a despeito dos desencontros entre o “calcinha apertada” e o “calça larga tipo boca de sino”, a pandemia vai passar. Mas os dias, os meses, os anos — esses não voltam mais. Como cantava Cazuza: “O tempo não para”. É dura a realidade de conviver com os nossos medos. Mas quando foi que vivemos sem ter medo? Não lute contra o medo. O medo se alimenta do medo. Em vez disso, identifique e enfrente seu medo. Feito isso, abra-se para a vida. Inspire. Respire. Estufe o peito. Erga a cabeça. Olhe para cima. Olhe para Deus. Não para aquele Deus carrancudo, que vive com um chicote nas mãos, pronto para castigar infiéis e desobedientes. Mas para o Deus de Amor, de Graça e de toda Misericórdia. Aquele que diz: “Está com medo, meu filho? Então segure nas minhas mãos. Estamos juntos.” Mais uma ressalva: não se deixe levar por falsos profetas, falsos pastores, que, movidos pelo brilho do ouro e encantados pelo poder, renunciam à mensagem das Boas Novas e se tornam propagadores da fobia social. Lamentável. E aí? Está com medo? Tudo bem! E aí, está com medo? Tudo bem!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O INFARTO DA ALMA

Existem várias maneiras de entendermos a depressão. Como já disse em vídeos anteriores, a depressão não é resultado de um único fator, mas sim de vários fatores. Hoje, quero falar da depressão como consequência do infarto da alma — um estrangulamento interior causado pelo represamento das emoções e pelos traumas da vida que não foram devidamente elaborados. Para explicar essa ideia, quero fazer uma analogia com o que conhecemos da medicina. O infarto do miocárdio é uma doença caracterizada por placas de gordura que se acumulam nas artérias coronárias, obstruindo a circulação sanguínea. Quando uma dessas placas se desloca, forma-se um coágulo que interrompe o fluxo de sangue, levando à diminuição da oxigenação das células do músculo cardíaco (miocárdio), o que resulta no infarto. Na página da Sociedade Brasileira de Cardiologia, há um cardiômetro que marca, em tempo real, o número de pessoas que morrem no Brasil por problemas cardíacos. A média é de um óbito a cada 90 segundos. E o ...

EROS E PSIQUÊ: AMOR COM ALMA E AMOR DESALMADO

Amor é uma palavra simples e complexa. Simples por ser amplamente utilizada. Complexa porque só tem sentido quando está relacionada a outra pessoa. Usado de modo isolado, solto, “amor” é uma palavra vaga e sem sentido. O amor não existe sozinho. Amor, do verbo amar, só existe quando é conjugado: eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos, vós amais, eles amam. Simples assim. Será? No português, usamos a palavra “amor” para descrever diversas situações, com os mais variados sentidos. No grego, empregam-se três palavras com significados específicos para o que chamamos, genericamente, de amor: ágape — amor divino; philos — amor fraterno; eros — amor apaixonado, sexualizado. É sobre esse tipo de amor, sobre Eros, que quero falar. Farei isso a partir do mito grego entre Eros e Psiquê, como forma de destacar que não existe Eros sem Psiquê. Ou seja, não existe amor sem alma. Antes, porém, julgo importante destacar que eros, de onde vem a palavra erotismo, e pornos + graphô, origem da palavra ...

GRAMÁTICA DA VIDA

O que seria da vida se não fosse a linguagem? Quando se trata de vida humana, simplesmente não seria. O ser humano é razão e emoção, pensamento e sentimento — e é por meio da linguagem que ele se constitui como sujeito. É a partir da linguagem que surge a "gramática da vida". Essa gramática é tão essencial que podemos nos perguntar: foi o homem quem criou a gramática ou foi a gramática quem criou o homem? O que vem primeiro: o ovo ou a galinha? A gramática ou a vida? Dilemas à parte, o fato é que a vida só é possível por meio de uma linguagem que atravessa o sujeito antes mesmo de sua existência. Se há vida, há palavra. Se há palavra, há vida. Quando faltam as palavras, falta a vida. “Morto não fala.” Mas não devemos confundir a gramática da vida com a gramática da língua. A gramática da língua possui regras que precisam ser obedecidas. Já a gramática da vida subverte essas leis. Na linguagem da vida, a fala correta — a fala autêntica — é aquela que se forma nos tropeço...