A associação entre sexo e pecado está relacionada a uma interpretação equivocada do chamado pecado original, em que o fruto proibido é representado pela figura de uma maçã bem avermelhada e aparentemente suculenta. No entanto, a relação sexual entre Adão e Eva nada tem a ver com o pecado original.
Jayme Landmann, no livro Sexo e Judaísmo, afirma de forma generalista que “os cristãos pressupõem que o primeiro par vivia no Paraíso sem ter relações sexuais.” Inocentes! Entender o relato bíblico a partir desse ponto de vista mitológico, que associa o pecado original ao ato sexual, é um grave erro de interpretação das Escrituras.
Fazer essa associação equivale a afirmar que, antes da queda, Adão e Eva — marido e mulher — viviam como anjos no paraíso: sem desejo, sem hormônios, sem libido. A persistência desse equívoco em pleno século XXI mostra o quanto ainda precisamos tratar com mais clareza as questões relativas à sexualidade humana.
E esse é exatamente o objetivo deste texto: falar de maneira aberta com aqueles que professam a fé em Deus e têm a Bíblia como regra de fé e prática. É necessário afirmar, com todas as letras: sexo não é pecado. A narrativa bíblica afirma que, ao criar o homem e a mulher, “Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sejam fecundos, multipliquem-se’” (Gn 1.27-28). De que Deus está falando? De sexo! Claro! Afinal, sem a união sexual entre um homem e uma mulher, a espécie humana sequer existiria.
Mas será a multiplicação da espécie a única finalidade do sexo? Encontramos na Bíblia um livro chamado Cântico dos Cânticos, que apresenta diálogos amorosos entre um homem e uma mulher. Em geral, esse livro não é muito citado em pregações. É possível que alguns cristãos nem saibam que ele está nas Escrituras. E, entre os que o conhecem, a opinião sobre sua presença no cânon bíblico nem sempre é unânime.
Certa vez, ouvi de um crente que, dado seu conteúdo erótico — e aqui vale lembrar: erotismo não é sinônimo de pornografia — o livro de Cânticos não deveria estar na Bíblia. Esse tipo de pensamento revela o quanto a associação entre sexo e pecado está profundamente enraizada na mente de muitos cristãos.
Na poesia do livro, o amado diz à sua amada: “Beije-me com os beijos da sua boca!” Do que ele está falando? De beijo como carícia sexual — um gesto que prepara o corpo para o ato sexual. O que o livro de Cânticos nos mostra é que não há nada mais normal, natural e espiritual do que o ato sexual entre um homem e uma mulher.
Repito: sexo, na Bíblia, não é sinônimo de pecado. É sinônimo de prazer! Por meio do ato sexual, o corpo libera diversos hormônios, como a ocitocina (o hormônio da felicidade), responsável por fortalecer vínculos de confiança, e a endorfina, que promove a sensação de prazer. Deus fez tudo perfeito!
O teólogo Karl Barth afirmou que a sexualidade é “a semelhança de Deus em nós.” Ou seja, o ato sexual está diretamente ligado à intimidade — e a nossa relação com Deus também deve ser pautada pela intimidade. Sem essa dimensão, o ato sexual se torna apenas uma apropriação indevida e prostituída do corpo do outro — o que pode acontecer até mesmo dentro de um casamento legitimado pelas leis humanas.
Em uma sociedade tão sexualizada como a nossa, é urgente falar sobre sexo como um assunto natural e espiritual. Precisamos tirá-lo do obscurantismo que ainda o envolve, mesmo em pleno século XXI. Precisamos falar sobre sexo não como doutrinamento, mas como promoção da saúde: espiritual, mental e física. Precisamos falar sobre sexo como promoção da vida.
Sexo não é pecado!
Certa ocasião, quando participava de um congresso na cidade de Gramado, aproveitei a oportunidade para explorar as belezas daquela região. Foi então que conheci uma das vistas mais impressionantes do Brasil: o cânion Itaimbezinho. Uma paisagem simplesmente deslumbrante. Se você ainda não conhece, vale a pena conhecer. Mas tome cuidado: a altura do Cânion Itaimbezinho é de 720 metros e, como você sabe, o abismo atrai, deixa a gente meio zonzo e... O que existe no abismo para que ele exerça tamanha força de atração sobre as pessoas? Não existe nada. Mas o abismo é um nada que atrai. Como disse Nietzsche: “Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.” O nada, o abismo, tem a ver com a força especulativa e fantasiosa do desejo. O desejo é o canto da sereia que atrai os viajantes incautos. É por sermos seres do desejo que nos aproximamos do abismo. Somos atraídos por esse “nada pleno” que é o desejo — que, em algumas ocasiões, nos coloca em verdadeiras enrascadas...
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